Memórias póstumas de Brás Cubas, um romance de Machado de Assis
Memórias Póstumas de Brás Cubas é o primeiro romance da fase realista do escritor Machado de Assis.
Publicado em 1881, o livro aborda os grandes temas da literatura universal: o amor, a vida em sociedade, a morte. E faz isso com um humor sutil e muita ironia. A começar pelo narrador da história, que está morto.
Memórias Póstumas de Brás Cubas e o Realismo
“Dedicatória: Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver
dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”.
O romance apresenta um narrador-personagem que conta a história de sua vida. É importante salientar que esse é um romance realista. Mais que isso, Memórias póstumas de Brás Cubasinaugura o Realismo no Brasil.
O Realismo foi um movimento artístico que ocorreu nas artes na segunda metade do século XIX. Esse movimento tinha como princípios e base as correntes científico-filosóficas da época que valorizavam a ciência e o pensamento racional como forma de entendimento da vida e do mundo.
São exemplos de correntes científico-filosóficas o Determinismo, de Hipolite Taine; o Positivismo, de Augusto Comte; o Darwinismo, de Charles Darwin e o Socialismo, de Karl Marx e Friedric Hengels.
Um romance que tem um narrador morto, nesse contexto, é, pelo menos, bastante estranho. Principalmente, se esse romance se classifica como realista.
Quem é Brás Cubas?
O narrador e protagonista da obra é Brás Cubas, um homem branco, rico, pertencente à elite carioca do século XIX. É ele quem conta sua própria história com a vantagem, como ele mesmo afirma, de não precisar mais se preocupar com o julgamento alheio e poder, assim, fazer um retrato bem agudo e verossímil da sociedade a que pertence.
Brás Cubas pertence a uma família que passa como tradicional e de ascendência heróica, mas que, na verdade, descende de um tanoeiro, um fazedor de cubas, de utensílios domésticos. Ou seja, um homem pobre e nada heróico. Na verdade, bastante sovina, o que permitiu-lhe deixar para o filho, avô de Brás Cubas, uma pequena fortuna. Esta foi bem aplicada e deu à família de Brás a importância atual.
Também permitiiu a este último descendente da família Cubas se vangloriar, no último capítulo do livro, entitulado “Das negativas”, de ter uma vantagem em relação ao trabalho:
“Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna
de não comprar o pão com o suor do meu rosto”.
Outro ponto importante está em que uma das características dos narradores machadianos é o fato de não serem confiáveis, no sentido de que há muito mais por trás daquilo que afirmam e relatam. Assim, é possível perceber no relato de Brás Cubas informações muito importantes sobre ele mesmo e o grupo social a que pertence que não são ditas por ele, mas são perceptíveis nas entrelinhas daquilo que fala.
Memórias póstumas de Brás Cubas: resumo
A história é contada pelo próprio Brás Cubas, um defunto autor, que narra suas memórias de uma perspectiva além-túmulo. Misturando humor, ironia e profundidade filosófica, Brás Cubas relata sua vida e suas experiências, desde a infância até a morte, abordando questões existenciais enquanto reflete sobre suas próprias falhas e fracassos.
“O vício é muitas vezes o estrume da virtude.
O que não impede que a virtude seja uma flor cheirosa e sã”.
Brás Cubas começa sua narração pelo relato de sua própria morte. Temos, assim, um enredo alinear que, seguindo a ironia machadiana, seria a “diferença radical” entre as memórias de Brás Cubas e o Pentateuco, os cinco primeiros livros da Bíblia, em que Moisés narra a história de sua vida, começando de seu nascimento.
O narrador relata seu velório e enterro, depois vai para o momento em que, agonizando, tem um delírio. Esse delírio precede a sua morte e leva o leitor a refletir, junto com Brás Cubas, sobre a natureza humana, sobre quem somos e o que nos move.
Então, a narração dá um salto para o nascimento e a infância de Brás que foi um menino mimado e voluntarioso, o que, segundo o narrador, se justificava pelo carinho da mãe e a pouca atenção do pai. Essa criação também teria feito com que ele crescesse sem o preparo devido para realizar os grandes projetos da vida: o casamento, a profissão, o amor.
“Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”.
Dos amores, dois marcam a vida do protagonista: o primeiro e o da maturidade. Marcela e Virgília. Duas mulheres que, cada uma a sua maneira, sabem e conquistam o que querem. Já nessa obra, a primeira de Machado dentro do Realismo, vemos personagens femininas fortes e impressionantes. Isso será uma constante em suas obras seguintes também.
Marcela foi aquela que o amou “durante quinze meses e onze contos de réis”. Brás Cubas, depois de gastar grandes quantias comprando presentes para a amada, foi mandado para a Europa pelo pai justamente para que o romance tivesse fim.
Já Virgília foi o grande amor de sua vida. A mulher que ele amou na maturidade, mas não era sua. Era casada com Lobo Neves. O romance durou algum tempo, esfriando com a perda do bebê de Brás que Virgília esperava.
“…durante algum tempo ficamos a olhar um para o outro, sem articular palavra. Quem diria? De dois grandes namorados, de duas paixões sem freio, nada mais havia ali, vinte anos depois; havia apenas dois corações murchos, devastados pela vida e saciados dela, não sei se em igual dose, mas, enfim, saciados”.
Os anos se passaram. Brás Cubas tentou ser um político importante, mas nunca conseguiu passar de deputado, sem nunca ter aprovado qualquer projeto. O único amigo que tinha roubou-lhe um relógio quando mendicava e não tinha o juízo perfeito.
Esse amigo era Quincas Borba, figura que aparecerá novamente no próximo livro de Machado entitulado justamente Quincas Borba. Essa personagem é importante pois, através dela, Machado relativiza as correntes cientificistas da época, colocando em questão as verdades absolutas muitas vezes atribuídas à ciência.
Quincas elabora a teoria do Humanitismo que em muito se assemelha aos estudos de Darwin sobre a evolução e o comportamento humano. O problema é que Quincas Borba é um filósofo maluco e aí reside toda a ironia.
“Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento”.
A narrativa termina com Brás Cubas, já com 64 anos, contraindo uma pneumonia no dia em que abre a janela e toma uma rajada de ar frio. Exatamente nesse dia em que havia decidido patentear a ideia de um remédio que curaria todos os males do mundo: o Emplastro Brás Cubas. Essa é sua derradeira tentativa de conquistar na vida algo por si mesmo. E mais uma vez Brás Cubas fracassa.
Memórias póstumas de Brás Cubas: análise da obra
Memórias Póstumas de Brás Cubas é uma obra de genialidade literária que desafia as convenções narrativas tradicionais. Machado de Assis emprega uma narrativa não linear e uma voz narrativa intrincada para explorar temas profundos de maneira satírica e provocativa. A ironia mordaz de Machado de Assis infiltra cada página, questionando as normas sociais, os valores morais e até mesmo a própria noção de vida e morte.
“Esta é a grande vantagem da morte, que, se não deixa boca para rir,
também não deixa olhos para chorar…”
A estrutura fragmentada e o estilo metaficcional da obra desafiam os leitores a questionar suas próprias percepções da realidade e da verdade. Machado de Assis brinca com as expectativas do leitor, subvertendo convenções literárias e provocando reflexões profundas sobre a natureza da existência humana.
O narrador não-confiável
Um exemplo marcante da habilidade de Machado de Assis em desafiar as convenções literárias é o uso do narrador não-confiável. Brás Cubas, como narrador-defunto, oferece uma perspectiva única e muitas vezes distorcida de sua própria vida e das pessoas ao seu redor.
Essa técnica narrativa instiga os leitores a questionar a veracidade dos eventos narrados e a interpretar as motivações por trás das ações dos personagens. É preciso ler nas entrelinhas, buscar o que há além das palavras ditas por esse narrador, para descobrir, através do protagonista, de seus comportamentos e reflexões, uma representação da sociedade da época.
A quem interessa ler Memórias Póstumas de Brás Cubas
Memórias Póstumas de Brás Cubas é uma leitura essencial para os amantes da literatura brasileira e para aqueles interessados em explorar os limites entre a narrativa ficcional e a reflexão filosófica. Sua mistura de humor, ironia e profundidade filosófica oferece uma experiência de leitura enriquecedora e estimulante para os leitores de todas as idades e origens.
Obra que inaugura o Realimo no Brasil, acaba por relativizar o próprio Realismo uma vez que a narrativa se insere no gênero fantástico ao trazer um narrador que está morto. O romance se caracteriza por ser uma obra aberta, permitindo e deixando por conta do leitor construir, a partir do que nos conta o narrador, as reflexões propostas e reveladas nas entrelinhas do texto.
Só essas características já são por si sós bastante interessantes aos leitores, inclusive para aqueles que pretendem fazer provas de admissão nas universidades, como o Enem, por exemplo.
Memórias póstumas de Brás Cubas: o filme
Uma informação que pode interessar a quem esteja com pressa de saber o enredo do livro é assistir ao filme Memórias póstumas. Ele traz a obra de Machado de forma bastante fiel e é bem divertido.
Lançado em 2001 e dirigido por André Klotzel, Memórias póstumas tem a ótima interpretação de Reginaldo faria como o narrador Brás Cubas. Ele aparece a todo momento para fazer as digressões tão características do livro e nos divertir com seu semblante irônico e debochado diante das atitudes das personagens.
É justamente a aparição desse narrador em carne e osso diante de nossos olhos o dado mais interessante do filme. O que poderia ser a perda do elemento mais notável do livro, acaba por materializar e tornar mais incômodo esse narrador não-confiável.
A ambientação no século XIX, no Rio de Janeiro, também é bastante interessante e verossímel. Somos colocados nas ruas cariocas da época e assistimos às travessuras de Brás Cubas com uma bela trilha sonora clássica.
Para quem prefere ler o livro do assistir ao filme, ainda assim vale a pena ver o filme depois da leitura. Assim, pode-se observar os pontos destacados acima e se divertir mais um pouco com esse personagem icônico de nossa literatura.
Concluindo…
Em suma, Memórias Póstumas de Brás Cubasé uma obra-prima literária que continua a desafiar e encantar os leitores com sua narrativa inovadora e reflexões profundas sobre a condição humana. A genialidade de Machado de Assis, combinada com sua habilidade única de mesclar humor e filosofia, faz desta obra um marco da literatura brasileira e um tesouro para ser apreciado por gerações.
Uma leitura obrigatória para aqueles que buscam explorar as complexidades da vida, da morte e de tudo o que existe entre elas.
Leia também nossa resenha sobre Dom Casmurro, outro romance famoso de Machado de Assis.
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