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Naturalismo: contexto histórico, características, autores e obras

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O Naturalismo é um movimento ocorrido na segunda metade do século XIX. Tem como base as correntes cientificistas da época, principalmente o Determinismo e o Positivismo.

O movimento surgiu na França com as obras do escritor Émile Zola, especialmente O Romance Experimental, de 1880. No Brasil, o principal nome do movimento naturalista é o escritor maranhense Aluísio Azevedo, autor de O cortiço.

Neste post, veremos qual foi o contexto histórico do Naturalismo, suas principais características, seus autores de destaque e suas obras de maior evidência.

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Origem do Naturalismo

O Naturalismo surgiu na França com a publicação de O Romance Experimental, de Émile Zola. Esse escritor propôs-se a escrever seguindo o método de observação e análise seguido pelos cientistas.

“O Naturalismo, nas letras, é igualmente o retorno à natureza e ao homem,
a observação direta, a anatomia exata, a aceitação da pintura do que existe.”

Assim, movidos pelos estudos científicos do momento e o desejo de ver a vida e o comportamento humano pelo olhar da Ciência, os escritores naturalistas produziram obras que refletiam o modo de viver, principalmente, das classes mais pobres.

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O homem, para eles, deveria ser estudado em seu estado mais natural, mais próximo de sua essência animal. E os escritores deveriam compor suas obras de forma objetiva, buscando o descrever o ser humano de forma animalizada.

Pintura que mostra um homem trabalhando;

Isso era possível entre a classe pobre porque ali se fazia mais necessária a luta pela sobrevivência e a conseguinte proximidade com o ser natural e animalizado.

Contexto histórico do movimento naturalista

O movimento naturalista surgiu em um momento no qual a Europa passava por grande mudanças, como a intensificação da vida nas cidades, a industrialização e o crescimento da classe operária.

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O trabalho nas fábricas era mal remunerado e oferecia grande perigo para os trabalhadores. Não havia ainda leis que protegessem os operários. Essas condições levaram ao surgimento das teorias socialistas de Karl Marx, forte influência do Naturalismo.

A classe burguesa ganhava cada vez mais espaço e poder. Ampliavam-se os meios de crescimento da indústria que enriquecia ainda mais intensamente essa classe. Novos maquinários e o avanço tecnológico traziam um forte otimismo em relação à ciência.

Daí o fortalecimento do Cientificismo, movimento de valorização da Ciência, que já vinha ganhando força desde o século XVII. Esse movimento entendia que a vida deveria ser compreendida segundo as leis e os métodos científicos.

O Cientificismo reuniu uma série de ciências filosóficas conhecidas como Positivismo, Determinismo, Evolucionismo, Socialismo, entre outras. Essas correntes são a base das obras literárias naturalistas.

O Positivismo acreditava que a única forma de se compreender a realidade era através da ciência. Só existia aquilo que era passível de comprovação pelos meios científicos. O principal filósofo dessa corrente é o francês Augusto Comte.

O Evolucionismo, proposto por Chales Darwin, em sua teoria da evolução das espécies, pregava que os seres passam por mutações constantes, sendo, assim, um produto da natureza. Essas mutações exigem a sobrevivência daqueles que são mais fortes e mais capazes de se adaptar ao meio.

O Determinismo, de Hippolyte Taine, crítico e historiador francês, considerava que o ser humano está sujeito ao meio em que vive, e também a sua raça e condição histórica. Assim, o homem age determinado pelo contexto em que está inserido.

No Brasil, o Naturalismo surgiu no final do século XIX, com a publicação do romance O mulato, de Aluísio Azevedo. Era um momento também de mudança e de grandes tensões.

O Segundo Reinado, de D. Pedro II, chegava ao fim devido ao fortalecimento dos movimentos abolicionista e republicano. Logo, a República se instauraria, e um novo período político e social teria início.

Foi também nesse período que ocorreu a abolição da escravatura que traria também transformações sociais, econômicas e políticas.

Influências do Naturalismo

O Naturalismo foi influenciado, como já dissemos, pelas correntes científico-filosóficas europeias: Determinismo, Positivismo, Socialismo, Evolucionismo.

Essas correntes colocaram o meio em que o homem vive como a principal força determinante de seu comportamento e modo de ver a vida.

Autores europeus como Émile Zola, escritor francês, e Eça de Queirós, português, forem influências fortes para os autores naturalistas brasileiros. Muitas obras brasileiras do período foram influenciadas por romances desses autores.

“O Realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta
a nossos próprios olhos – para nos conhecermos, para que saibamos se somos
verdadeiros ou falsos, para condenar o que houver de mau na nossa sociedade.”

(Eça de Queirós)

Além disso, o Naturalismo tem muitas características em comum com outro movimento ocorrido no período, o Realismo. Esse movimento buscava desnudar o caráter da sociedade burguesa e denunciar os problemas e dores da sociedade.

Características do Naturalismo

  • Visão determinista do ser humano: o homem é visto como produto do meio em que vive, de sua hereditariedade e do modo como a espécie evolui;
  • Obervação científica da realidade e do comportamento humano: as questões sociais e biológicas são analisadas sob uma perspectiva objetiva e científica;
  • Objetividade, distanciamento e frieza diante do objeto analisado;
  • Foco na classe mais baixa: os meios mais pobres são o objeto de estudo e o assunto das obras naturalistas;
  • O objeto de análise é sempre o coletivo, nunca um único indivíduo, importa o meio como um todo e como os indivíduo, sujeitos a esse meio, reagem;
  • Zoomorfização: as personagens são constantemente comparadas a animais, destacando-se seus instintos e comportamentos;
  • Linguagem objetiva, clara, direta e obediente às regras gramaticais e tem como fim descrever a realidade da forma mais fiel possível;
  • Abordagem de aspectos biológicos: a biologia é vista como fator determinante do comportamento humano, com destaque para a sexualidade e os impulsos instintivos;
  • Análise crítica da sociedade: os problemas e dores sociais e humanas são retratados de forma a mostrar como essa sociedade se comporta, doenças, crime, pobreza, exploração aparecem constantemente nas obras;
  • Impessoalidade: o foco narrativo se mantém sempre na 3ª pessoa, o narrador se coloca à distância e descreve a realidade de forma objetiva.

O Naturalismo no Brasil, principais autores e obras

O Naturalismo teve início no Brasil em 1881, com a publicação de O mulato, romance de Aluísio Azevedo. Como já dissemos acima, era um momento de grandes tensões e mudanças, como o fim do Segundo Reinado e a Proclamação da República.

O mulato faz uma forte crítica à sociedade da época e reflete as transformações por que passava o Brasil. É a história de Raimundo, um homem que desconhece o seu passado, e retorna a São Luís do Maranhão, depois de muitos anos na Europa, para receber uma herança.

O livro causou muita polêmica na época, principalmente em São Luís, por suas críticas ao meio burguês e à igreja católica. Aluísio Azevedo precisou até se mudar para o Rio de Janeiro para poder continuar a escrever seus romances naturalistas.

O cortiço

Um cortiço da época, conforme é retratado no livro O cortiço, principal obra do Naturalismo brasileiro.

Esse é o romance de maior destaque do movimento naturalista brasileiro. O personagem central da trama é o próprio cortiço, um conjunto de habitações comandadas pelo dono, João Romão, um português ambicioso, que explora os moradores do lugar.

O autor, Aluísio Azevedo, foi escritor, dramaturgo, pintor, caricaturista e diplomata. Nasceu no Maranhão e morou boa parte de sua vida no Rio de Janeiro. Para escrever O cortiço, morou um bom tempo em um cortiço da cidade e observou o modo como as pessoas viviam ali.

O livro fala sobre a exploração do sistema capitalista, do modo como as pessoas do cortiço vivem e suas dificuldades para sobreviver, sobre como o meio acaba engolindo aqueles que nele estão inseridos.

Leia, a seguir, um trecho do capítulo III do romance:

O cortiço

Capítulo III

Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada, sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.
A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostrava uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.
Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não andam. No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos saíram mulheres que vinham dependurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à semelhança dos donos, cumprimentavam-se ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia.
Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pelo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão. As portas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as calças e as saias; as crianças não se davam o trabalho de lá ir, despachavam-se li mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no recanto das hortas.
O rumor crescia, condensando-se: o zunzum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. Começavam a fazer compras na venda; ensarilhavam-se discussões e resingas; ouviam-se gargalhadas e pragas; já se não falava, gritava-se. Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulhavam os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.

Além de Aluísio Azevedo, que escreveu ainda outras obras importantes, como Casa de Pensão, são também escritores do movimento naturalista no Brasil Adolfo Caminha, com as obras A normalista e O bom crioulo e Júlio Ribeiro, com A carne.

A carne

Lenita mais compreendeu do que viu. Era a reprodução do que se tinha passado, havia momentos, mas em escala mais elevada: à cópula instintiva, brutal, feroz, instantânea dos ruminantes, seguia-se o coito humano meditado, lascivo, meigo, vagaroso.
Abalada profundamente em seu organismo, com a irritação de nervos aumentada por essas cenas cruas da natureza, torturada pela carne, mordida de um desejo louco de sensações completas, que não conhecia, mas que adivinhava, Lenita recolheu-se titubeando, fraquíssima.

(Júlio Ribeiro. A carne.)

Conclusão

O Naturalismo foi um movimento literário marcado pela influência do Cientificismo, como o Determinismo e o Positivismo. Ocorreu na segunda metade do século XIX e teve a participação de escritores importantes.

No Brasil, seu principal representante é Aluísio Azevedo, autor de O mulato, obra que inaugura o movimento no Brasil, em 1881, e O cortiço, sua obra-prima, de 1890.

O Naturalismo via o homem como produto do meio em que vivia, subjugado aos seus desejos e instintos. O artista se colocava como um cientista a observar a sociedade com a intenção de denunciar as mazelas sociais.

Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.

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