Ana Cristina Cesar nasceu em 2 de junho de 1952 no Rio de Janeiro. Foi poeta, crítica literária e tradutora. Marcou a poesia brasileira com sua intensidade e lirismo urgente.
Dias não menos dias
Chora-se com a facilidade das nascentes
Nasce-se sem querer, de um jato, como uma dádiva
(às primeiras virações vi corações se entrefugindo todos
ninguém soubera antes o que havia de ser não bater
as pálpebras em monocorde
e a tarde
pendurada ro raminho de um
fogáceo arborescente
deixava-se ir
muda feita uma coisa ultima.
Sua vida breve, interrompida em 1983, deixou um legado poético que continua a intrigar e inspirar os amantes da literatura.

Vida e Contexto
Ana Cristina Cesar, conhecida como Ana C., nasceu no Rio de Janeiro em meio a transformações culturais e políticas no Brasil.
Noites cariocas
Diálogo de surdos, não: amistoso no frio. Atravanco na contramão. Suspiro no contrafluxo. Te apresento a mulher mais discreta do mundo: essa que não tem nenhum segredo
Sua formação acadêmica em Letras e aprofundamento em Linguística influenciaram sua abordagem inovadora da poesia.
Características da Obra
A poesia de Ana C. é caracterizada pela introspecção, linguagem fragmentada e uma exploração única da subjetividade feminina. Sua obra traz uma busca incessante por identidade e significado, muitas vezes relacionadas com experiências autobiográficas.
A Teus Pés (1979)
Este livro de poesia, marcado por sua intensidade lírica, mergulha nas complexidades das relações amorosas e da própria existência.
Fagulhas
Abri curiosa
o céu.
Assim, afastando de leve as cortinas.
Eu queria entrar,
coração ante coração,
inteiriça
ou pelo menos mover-me um pouco,
com aquela parcimônia que caracterizava
as agitações me chamando
Eu queria até mesmo
saber ver,
e num movimento redondo
como as ondas
que me circundavam, invisíveis,
abraçar com as retinas
cada pedacinho de matéria viva.
Eu queria
(só)
perceber o invislumbrável
no levíssimo que sobrevoava.
Eu queria
apanhar uma braçada
do infinito em luz que a mim se misturava.
Eu queria
captar o impercebido
nos momentos mínimos do espaço
nu e cheio
Eu queria
ao menos manter descerradas as cortinas
na impossibilidade de tangê-las
Eu não sabia
que virar pelo avesso
era uma experiência mortal.
Um trecho expressivo que representa a essência do trabalho de Ana C. é encontrado quando ela escreve: “Eu queria ser amada por alguém a ponto de perder a fome.”
Poética (1979)

Esta coletânea é uma exploração profunda da natureza da poesia e do papel do poeta na sociedade. Ana C. aborda questões de linguagem e autenticidade artística, deixando uma impressão duradoura.
Em um trecho revelador, ela pondera: “Não pode a arte fechar-se num sistema – a não ser que seja um sistema de desordem.”
Ana Cristina Cesar, através de sua poesia arrebatadora, desafia convenções e transcende barreiras literárias.
Sua voz única e seu olhar aguçado para as nuances da existência continuam a influenciar gerações de poetas e leitores, consolidando seu lugar como uma das vozes mais distintas e provocativas da poesia brasileira do século XX.
Leia também nosso artigo sobre outra grande poeta brasileira: Cora Coralina.
Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.
