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A poesia de Cora Coralina

Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, nasceu em 20 de agosto de 1889 na Cidade de Goiás, antiga Vila Boa de Goyaz.

Filha de um desembargador e de uma dona de casa, Cora teve uma infância simples e feliz, marcada pelas paisagens e costumes do interior do Brasil.

A poeta Cora Coralina.

Desde cedo, Cora demonstrou interesse pela escrita, publicando seus primeiros contos e poemas em jornais locais.

No entanto, a vida a levou por outros caminhos: casou-se, teve filhos e dedicou-se à família e ao trabalho como doceira. A poesia ficou em segundo plano, mas nunca foi esquecida.

A redescoberta da poeta Cora Coralina

Foi somente aos 75 anos que Cora Coralina teve seu primeiro livro publicado, Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais (1965).

A obra foi um sucesso de crítica e público, revelando ao Brasil uma poeta singular, com uma voz doce e sábia, capaz de transformar o cotidiano em poesia.

Traços característicos da obra de Cora Coralina

A poesia de Cora Coralina é marcada pela simplicidade, pela oralidade e pela valorização da cultura popular.

Conclusões de Aninha

Estavam ali parados. Marido e mulher.
Esperavam o carro. E foi que veio aquela da roça
tímida, humilde, sofrida.
Contou que o fogo, lá longe, tinha queimado seu rancho,
e tudo que tinha dentro.
Estava ali no comércio pedindo um auxílio para levantar
novo rancho e comprar suas pobrezinhas.
O homem ouviu. Abriu a carteira tirou uma cédula,
entregou sem palavra.
A mulher ouviu. Perguntou, indagou, especulou, aconselhou,
se comoveu e disse que Nossa Senhora havia de ajudar
E não abriu a bolsa.
Qual dos dois ajudou mais?

O poema retrata uma cena bem comum em nosso cotidiano. Um casal é interrompido na rua por uma pessoa que pede ajuda. O homem atende com dinheiro, a mulher com compreensão e empatia.

Na simplicidade desse “causo”, um questionamento sem resposta: o que ajudou mais a pedinte? O dinheiro ou a empatia? Assim, a poeta goiana, de forma direta e simples, nos coloca diante da condição humana, com seus dramas, necessidades e dilemas.

Estátua da poeta Cora Coralina no centro da cidade de Goiás.
Estátua da poeta Cora Coralina em sua cidade natal

Seus poemas retratam a vida cotidiana no interior do Brasil, com seus costumes, paisagens e personagens. A natureza, a culinária e as memórias da infância são temas recorrentes em sua obra.

Becos de Goiás

Becos da minha terra…
Amo tua paisagem triste, ausente e suja.
Teu ar sombrio. Tua velha umidade andrajosa.
Teu lodo negro, esverdeado, escorregadio.
E a réstia de sol que ao meio-dia desce fugidia,
e semeias polmes dourados no teu lixo pobre,
calçando de ouro a sandália velha, jogada no monturo.

(…)

Cora Coralina não se preocupava com as regras da gramática ou da métrica. Sua poesia é livre e espontânea, como a fala do povo. Sua linguagem simples e direta é carregada de lirismo e sabedoria.

Ressalva

Este livro foi escrito
por uma mulher
que no tarde da Vida
recria a poetiza sua própria
Vida.
Este livro
foi escrito por uma mulher
que fez a escalada da
Montanha da Vida
removendo pedras
e plantando flores.
Este livro:
Versos… Não.
Poesia… Não.
Um modo diferente de contar velhas estórias.

A doçura da vida em versos

Um dos poemas mais conhecidos dessa autora tão querida é “O Doceiro”, que celebra a figura do artesão que transforma frutas em doces. O poema é uma metáfora da própria poesia de Cora Coralina, que transforma a vida em arte.

O Doceiro

Sou doceira afamada.
Faço suspiro e puxa.
Quebra-queixo e alfenim.
Bom bolo de nozes.
Tortas e empadas.
Pão de mel, roscas,
biscoitos e sonhos.
Faço cocadas e manjares.
Sou doceira de mão cheia.
Cozinheira de forno e fogão.
Doçaria é meu verso.
Minha arte e profissão.

A sabedoria da experiência de Cora Coralina

Outro de seus poemas marcantes é “Aninha e Suas Pedras”, que fala sobre a força e a resiliência da mulher.

O poema é uma homenagem à própria Cora Coralina, que enfrentou muitas dificuldades na vida, mas nunca perdeu a esperança. É também uma lembrança do poder da poesia e da literatura, por sua força redentora e eternizadora.

Aninha e Suas Pedras

Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

Cora Coralina faleceu em 10 de abril de 1985, aos 95 anos, deixando um legado de poesia e sabedoria que continua a encantar leitores de todas as idades.

Ofertas de Aninha

Eu sou aquela mulher
a quem o tempo
muito ensinou.
Ensinou a amar a vida.
Não desistir da luta.
Recomeçar na derrota.
Renunciar a palavras e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos.
Ser otimista.
Creio numa força imanente
que vai ligando a família humana
numa corrente luminosa
de fraternidade universal.
Creio na solidariedade humana.
Creio na superação dos erros
e angústias do presente.
Acredito nos moços.
Exalto sua confiança,
generosidade e idealismo.
Creio nos milagres da ciência
e na descoberta de uma profilaxia
futura dos erros e violências
do presente.
Aprendi que mais vale lutar
do que recolher dinheiro fácil.
Antes acreditar do que duvidar.

Sua obra é um tesouro da literatura brasileira, que nos convida a celebrar a beleza da vida e a força da alma humana.

Leia também nosso artigo sobre outra grande escritora de nossa literatura: Clarice Lispector.

Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.

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