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Sete poemas que marcaram a literatura brasileira

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A literatura brasileira nos presenteou, ao longo dos séculos, com poemas maravilhosos e inesquecíveis. Alguns marcaram profundamente o coração e a memória dos leitores e se tornaram citações recorrentes em conversas, artigos, novelas, músicas e até mesmo em outros poemas.

Neste artigo, trazemos sete poemas que marcaram a literatura brasileira por sua beleza, força, referência histórica e anedótica, crítica social e humor. Seus autores, mestres na arte da escrita, nos presentearam com obras de grande valor e reconhecimento, das quais esses poemas fazem parte.

Sete poemas que marcaram a literatura brasileira

Triste Bahia

O poeta Gregório de Matos Guerra é um dos mais importantes poetas de toda a nossa literatura. Ele nos presenteou com uma série de poemas de alto valor documental, forte crítica social e grande atualidade.

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É o caso de “Triste Bahia”, poema que fala de uma Bahia que, antes muito rica e altiva, tornou-se pobre e desconsolada. Além dela, também o poeta passou pela mesma mudança. O poema se constrói, assim, num jogo de espelhamento, em que a terra e o eu-lírico se irmanam em uma mesma situação.

Triste Bahia

Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
 
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
 
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
 
Oh se quisera Deus que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!

(Gregório de Matos)

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Gregório de Matos era baiano e viveu entre os anos de 1636 e 1696. Boa parte desses anos vividos na cidade de Salvador, cenário do poema “Triste Bahia”. Esse poeta, que recebeu o apedido de “Boca do Inferno”, tinha um olhar agudo sobre a sua terra e não poupava ninguém de sua crítica mordaz e ferina.

Canção do exílio

“Canção do exílio” é um dos poemas mais famosos de nossa literatura. Foi escrito pelo poeta romântico Gonçalves Dias no século XIX. Seus versos enaltecem a terra brasileira e carregam consigo um sentimento de saudade e nostalgia.

Canção do exílio

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que volte para lá;

Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

(Gonçalves Dias)

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Quando escreveu este poema, em 1857, Gonçalves Dias encontrava-se em Coimbra, Portugal. Tinha ido estudar Direito na Universidade e sentia saudades de casa.

O poema enaltece a natureza brasileira, através de duas referências bem características de nossa flora, as “palmeiras”, e de nossa fauna, o “sabiá”. E usa dos advérbios “lá” e “cá” para estabelecer a dicotomia entre o Brasil, a terra distante, e Portugal, onde ele se encontra.

“Canção do exílio” é, talvez, o poema mais parodiado de nossa literatura. Ganhou, nos anos posteriores a sua publicação, principalmente durante o século XX, muitas versões. Em geral, essas versões abandonam o tom melancólico e ufanista para assumir um olhar crítico sobre nossa nacionalidade.

Outra referência ao poema de Gonçalves Dias se encontra nos versos do Hino Nacional brasileiro, quando este se apropria do trecho que fala sobre nossas várzeas, bosques e amores.

Via Láctea

Chamado de “Príncipe dos Poetas”, Olavo Bilac é o autor de uma série de sonetos entitulada Via Láctea. Desses poemas, o soneto de número XIII é o mais conhecido. Chegou, inclusive, a ser musicado pela banda Kid Abelha em 1998, no álbum Autolove.

Via Láctea – Soneto XIII

Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
 
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
 
Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
 
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.

(Olavo Bilac)

Alguns versos do “Soneto XIII” também fazem parte da música “Divina Comédia Humana”, de Belchior, lançada em 1978, no álbum Todos os sentidos.

“Via Láctea”, embora escrito por um poeta parnasiano, tem forte carga romântica e nos encanta por sua estrutura dialógica que coloca duas perspectivas do amor em cheque. Temos, de um lado, alguém que está apaixonado e, de outro, uma pessoa que é bastante cética em relação a isso.

Imagem do céu e das estrelas

Como é característico dos sonetos, os versos finais de “Via Láctea” nos impactam por sua beleza e, ainda que não estejamos apaixonados, nos levam a pensar nesse estado e na capacidade de falar e ouvir as estrelas.

No meio do caminho

O poema “No meio do caminho” foi escrito e publicado por Carlos Drummond de Andrade na Revista de Antropofagia, nº 3, em 1928. E causou bastante estranhamento nos leitores que criticaram sua linguagem e estilo.

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
 
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

(Carlos Drummond de Andrade)

De fato, comparado aos poemas aos quais as pessoas à época estavam acostumadas a ler, “No meio do caminho” é realmente estranho.

Sua estrutura e sua métrica fogem de formas consagradas como o soneto, por exemplo, ou dos versos exuberantes da produção romântica, tipos de poesia que ainda eram muito lidas naquele momento.

Marcado pela repetição, o poema se organiza em dez versos, dos quais os quatro primeiros e os quatro últimos contém a ideia da “pedra no meio do caminho”. Já os dois versos centrais trazem uma informação nova que interrompe a monotonia.

Se entendermos o poema de forma metafórica, podemos pensar na rotina a que estamos submetidos todos os dias como sendo os versos repetitivos do texto. E os versos centrais como um acontecimento que nos obriga a parar, a mudar o que nos é habitual, como uma doença, por exemplo.

Aparentemente, monótono e banal, na verdade, “No meio do caminho” é um texto que nos leva a uma reflexão bastante profunda sobre a vida e as surpresas que ela nos traz.

Soneto de fidelidade

Os sonetos são uma forma fixa da poesia surgida entre os poetas italianos do século XIV. Desde então, estão presentes na literatura universal e vigoram entre a produção literária de grandes nomes da arte, como Shakespeare, Camões, Antero de Quental, Olavo Bilac, entre outros.

O poetinha Vinícius de Moraes nos brindou com uma série de sonetos maravilhosos dos quais o “Soneto de Fidelidade” é o mais conhecido. Nesse poema, Vinícius traz um novo olhar para o tema maior da poesia de todos os tempos: o Amor.

Soneto de Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
 
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
 
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
 
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

(Vinícius de Moraes)

Nesses famosos versos, o poeta fala do amor fora da perspectiva romântica em que o sentimento é visto como algo que extrapola esta vida e continua na eternidade.

Ao contrário, Vinícius fala do amor como algo que dá significado à vida, que alivia a consciência de que um dia a solidão e a morte chegarão.

E compara-o a uma chama, que tem tempo de duração e um dia se apaga, mas que, ainda assim, é algo infinito, não em sua temporalidade, mas no modo como os amantes o vivenciam.

Esperança

O poema “Esperança” é do poeta gaúcho Mário Quintana. É um texto bastante propício para se ler na passagem de um ano para outro, pois funciona como uma metáfora de como vivencianos essa época.

Quintana fala muito em sua poesia sobre a passagem do tempo e como nos relacionamos com isso. Em “Esperança”, o poeta, com sua linguagem irônica e prosaica, torna o sentimento que nos invade nas passagens de ano, a esperança, uma meninazinha de olhos verdes.

Esperança

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E — ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…

(Mário Quintana)

E se a Esperança é uma louca que se atira do alto de um prédio ao som de buzinas e sirenes, no minuto final do décimo mês do ano, é também uma criança no minuto seguinte cheia de promessas futuras.

E não é assim mesmo todos os anos com a maioria das pessoas? Terminamos o ano envolvidos pelo barulho das festas e da correria que antecede a virada para um novo ano. E, ali, naquele momento de celebração, fazemos promessas e projetamos desejos para os meses vindouros.

Com licença poética

Adélia Prado é uma das grandes vozes de nossa literatura contemporânea. Recentemente, recebeu uma das maiores homenagens da literatura mundial. o Prêmio Camões.

“Com licença poética” é um de seus mais conhecidos poemas. Esse texto faz referência a um outro poema famoso do poeta Carlos Drummond de Andrade chamado “Poema de sete faces”.

Drummond foi padrinho de Adélia na poesia, ajudando-a a publicar o seu primeiro de livro de poesias, Bagagem, em 1976, pela Editora Imago. Os versos da poeta mineira falam das coisas do cotidiano com uma linguagem simples, marcada pela coloquialidade.

Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
 
Mulher é desdobrável. Eu sou.

(Adélia Prado)

Imagem de uma menina lendo um livro.

Em “Com licença poética”, Adélia Prado fala da condição feminina, das alegrias e das dificuldades de ser mulher. Fala também das exigências que a sociedade impõe às mulheres, da maternidade, da capacidade feminina de ser muitas mulheres em uma. E de seu papel como escritora.

Conclusão

Vimos neste artigo sete poemas que marcaram a literatura brasileira. São textos que figuram entre uma infinidade de outros grandes poemas produzidos por nossos poetas.

A poesia é alimento para a alma e muitos são os versos que permanecem em nossa memória e nos inspiram nos mais diversos momentos de nossa vida.

E, inclusive, ultrapassam os livros, passando a fazer parte de outras expressões artísticas como a música popular e até mesmo o Hino Nacional.

Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.

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