Os gêneros literários são uma forma de agrupar e estudar as obras da literatura através de suas características, estruturas, estilos e temas. Observar as produções artísticas pelo seu gênero predominante ajuda a compreender melhor a obra e suas intenções.
São três os gêneros literários clássicos: lírico, épico e dramático. Esses gêneros foram criados na Grécia antiga pelo filósofo Aristóteles, grande estudioso da arte de seu tempo. Posteriormente, foram surgindo outros gêneros ou subgêneros desses primeiros.
Nesse post, veremos os três gêneros literários clássicos e seus subgêneros.
Gêneros literários clássicos
Gênero lírico
O gênero lírico é marcado pela expressão de sentimentos e pela 1ª pessoa do discurso. Ou seja, dentro do gênero lírico, estão as obras em que um eu fala de seus sentimentos e ideias. São aquelas produções marcadas, portanto, pela subjetividade.
A palavra lírico vem de um instrumento musical muito usado na antiguidade grega chamado lira. Esse instrumento produz um som melancólico que toca a alma e os sentimentos. Objeto, assim, muito propício para inspirar o nome desse gênero, não é?!
Além disso, a lira era o instrumento usado para acompanhar a poesia nas declamações que ocorriam nessa época.

São exemplos de obras do gênero lírico os poemas, os diários pessoais, as cartas pessoais, as letras de música e todos os textos que têm como principais as marcas de subjetividade desse gênero.
Subgêneros do gênero lírico
Com o passar do tempo o gênero lírico foi apresentando-se em várias formas de texto, principalmente os escritos em verso.
São subgêneros do gênero lírico:
- as odes: poemas elogiativos compostos por versos curtos;
- as elegias: poemas de lamento e carregados de tristeza;
- as éclogas: poemas de ambientação campestre;
- os sonetos: formas fixas da poesia que possuem sempre 14 versos, agrupados em dois quartetos e dois tercetos;
- e os haicais: poemas de origem japonesa compostos por apenas 3 versos.
Exemplos de obras do gênero lírico
Soneto de fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
(Vinícius de Moraes)
Soneto de fidelidade é um dos mais famosos poemas de Vinícius de Moraes. O tema desse texto é o mais presente em toda a poesia lírica: o Amor. E o poetinha, como Vinícius era conhecido, fala desse sentimento de uma forma muito pessoal, entendendo-o como algo intenso mas breve.
Autopsicografia
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
(Fernando Pessoa)
Fernando Pessoa, famoso poeta português, aborda em Autopsicografia o próprio fazer poético, em um exercício de metalinguagem, recurso bastante frequente na poesia do século XX.
Podemos perceber, assim, através desses exemplos que os temas do gênero lírico, assim como as formas em que os versos se apresentam, podem ser diversos. O importante é que estejam centrado na 1ª pessoa do discurso, ou seja, o “eu”.
Gênero épico (ou narrativo)
O gênero épico é o gênero das grandes narrativas. Ou seja, das histórias que narram feitos grandiosos de um povo ou acontecimentos de grande valor e que inspiram grandes emoções.
Esse gênero teve início na Grécia antiga com o poeta Homero que escreveu duas epopeias muito famosas: a Ilíada e a Odisseia. As epopeias de Homero são poemas muito longos que narram os últimos anos da Guerra de Troia, um feito histórico muito importante da Antiguidade.

Posteriormente, o gênero épico foi evoluindo para o que chamamos hoje de gênero narrativo. O gênero narrativo envolve não só histórias grandiosas mas também histórias mais introspectivas e fatos do dia a dia.
Dentro do gênero narrativo estão, portanto, todas os textos em que um narrador nos conta uma história que envolve personagens (fictícias ou não) vivenciando acontecimentos dentro de um tempo e de um espaço.
Subgêneros do gênero épico ou narrativo
São subgêneros do gênero épico ou narrativo:
- a epopeia: longo poema que narra os feitos grandiosos de um povo;
- o romance: narrativa longa escrita em prosa que envolve um certo grau de complexidade;
- o conto: narrativa curta também em prosa, marcada por um único conflito;
- a novela: narrativa intermediária entre o romance e o conto marcada pela aventura e por reviravoltas na trama;
- a crônica: texto que explora fatos do cotidiano para levar o leitor a refletir sobre eles e sobre aspectos humanos e sociais;
- a fábula: narrativa em que as personagens são objetos ou animais agindo como pessoas e que procura sempre ensinar uma moral.
Exemplo de obra do gênero épico
Os lusíadas
As armas e os Barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo reino, que tanto sublimaram;
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
(…)
(Luís de Camões)
As estrofes acima pertencem ao Canto I de Os lusíadas, epopeia renascentista escrita por Luís de Camões. Essa é a obra literária mais importante do Renascimento português. Ela relata a viagem de Vasco da Gama às Índias em 1498, grande feito de Portugal na Idade Moderna.
Exemplo de obra do gênero narrativo
Senhora
Capítulo I
Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela.
Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o cetro; foi proclamada a rainha dos salões.
Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade.
Era rica e formosa.
Duas opulências, que se realçam como a flor em vaso de alabastro; dois esplendores que se refletem, como o raio de sol no prisma do diamante.
Quem não se recorda da Aurélia Camargo, que atravessou o firmamento da Corte como brilhante meteoro, e apagou-se de repente no meio do deslumbramento que produzira o seu fulgor?
Tinha ela dezoito anos quando apareceu a primeira vez na sociedade. Não a conheciam; e logo buscaram todos com avidez informações acerca da grande novidade do dia.
Dizia-se muita coisa que não repetirei agora, pois a seu tempo saberemos a verdade, sem os comentos malévolos de que usam vesti-la os noveleiros.
Aurélia era órfã; e tinha em sua companhia uma velha parenta, viúva, D. Firmina Mascarenhas, que sempre a acompanhava na sociedade.
Mas essa parenta não passava de mãe de encomenda, para condescender com os escrúpulos da sociedade brasileira, que naquele tempo não tinha admitido ainda certa emancipação feminina.
Guardando com a viúva as deferências devidas à idade, a moça não declinava um instante do firme propósito de governar sua casa e dirigir suas ações como entendesse.
Constava também que Aurélia tinha um tutor; mas essa entidade desconhecida, a julgar pelo caráter da pupila, não devia exercer maior influência em sua vontade, do que a velha parenta.
(…)
(José de Alencar. Senhora.)
O trecho acima inicia a narrativa de Senhora, romance escrito por José de Alencar no século XIX e que é uma das principais obras em prosa do Romantismo brasileiro. O livro conta a história de Aurélia Camargo, moça de caráter altivo, que compra um marido, o ambicioso Fernando Seixas.
Gênero dramático
O gênero dramático é o gênero do teatro. Ou seja, é aquele dos textos escritos na forma de diálogo e com o auxílio das rubricas (informações sobre o cenário e as expressões das personagens) e a ausência de narrador.
O texto teatral tem como objetivo a encenação ou dramatização. Ou seja, o texto ganha vida através da interpretação de atores que se colocam em cena em um palco ou outra localidade.

O nome desse gênero vem da palavra drama que quer dizer, em grego, ação ou ato. Assim, o texto dramático é aquele escrito para ser colocado em ação através de atores dentro de uma cena.
O texto dramático pode se apresentar em prosa ou em verso e suas divisões são chamadas de atos. E cada momento da história narrada recebe o nome de cena.
O teatro foi considerado pelo filósofo Aristóteles como a expressão artística mais elevada e era encenado na Grécia Antiga somente por atores homens. Esses atores usavam máscaras para representar as personagens e as emoções delas.
Por isso, o símbolo do teatro até os dias atuais são duas máscaras, uma de expressão alegre e outra de expressão triste.
Subgêneros do gênero dramático
São subgêneros do gênero dramático:
- tragédia: é um dos subgêneros clássicos que narra situações consideradas tabus (assassinato, incesto, traição) vividas por personagens da alta sociedade e terminam de forma terrível;
- comédia: também um subgênero clássico que narra histórias engraçadas com o intuito de criticar comportamentos sociais;
- tragicomédia: peça teatral que envolve aspectos da tragédia e também aspectos da comédia;
- auto: peça medieval de fundo religioso e moralista;
- farsa: peça medieval de fundo profano, ou seja, que aborda situações do dia a dia de forma cômica;
- drama: obras teatrais surgidas mais recentemente em que são abordados temas mais profundos e sérios.
Exemplos de obras do gênero dramático
Auto da Barca do Inferno
(…)
ANJO Que quereis?
FIDALGO Que me digais,
pois parti tão sem aviso,
se a barca do Paraíso
é esta em que navegais.
ANJO Esta é; que demandais?
FIDALGO Que me leixeis embarcar.
Sou fidalgo de solar,
é bem que me recolhais.
ANJO Não se embarca tirania
neste batel divinal.
FIDALGO Não sei porque haveis por mal
que entre a minha senhoria…
ANJO Pera vossa fantesia
mui estreita é esta barca.
FIDALGO Pera senhor de tal marca
nom há aqui mais cortesia?
Venha a prancha e atavio!
Levai-me desta ribeira!
ANJO Não vindes vós de maneira
pera entrar neste navio.
Essoutro vai mais vazio:
a cadeira entrará
e o rabo caberá
e todo vosso senhorio.
Ireis lá mais espaçoso,
vós e vossa senhoria,
cuidando na tirania
do pobre povo queixoso.
E porque, de generoso,
desprezastes os pequenos,
achar-vos-eis tanto menos
quanto mais fostes fumoso.
DIABO À barca, à barca, senhores!
Oh! que maré tão de prata!
Um ventozinho que mata
e valentes remadores!
Diz, cantando:
Vós me veniredes a la mano,
a la mano me veniredes.
(…)
(Gil Vicente. Auto da Barca do Inferno.)
O trecho acima faz parte do início da peça Auto da Barca do Inferno, do dramaturgo português Gil Vicente. A peça é um auto por apresentar um fundo religioso e traz uma das características marcantes do teatro desse autor: a crítica aos costumes de modo bem humorado e irônico.
Vestido de noiva
PRIMEIRO ATO
(Cenário – dividido em 3 planos: 1° plano: alucinação; 2° plano: memória; 3° plano: realidade. Quatro
arcos no plano da memória; duas escadas laterais. Trevas.)
MICROFONE – Buzina de automóvel. Rumor de derrapagem violenta. Som de vidraças partidas.
Silêncio. Assistência. Silêncio.
VOZ DE ALAÍDE (microfone) – Clessi… Clessi…
(Luz em resistência no plano da alucinação. 3 mesas, 3 mulheres escandalosamente pintadas, com vestidos
berrantes e compridos. Decotes. Duas delas dançam ao som de uma vitrola invisível, dando uma vaga
sugestão lésbica. Alaíde, uma jovem senhora, vestida com sobriedade e bom gosto, aparece no centro da
cena. Vestido cinzento e uma bolsa vermelha.)
ALAÍDE (nervosa) – Quero falar com Madame Clessi! Ela está?
(Fala à 1ª mulher que, numa das três mesas, faz “paciência”. A mulher não responde.)
ALAÍDE (com angústia) – Madame Clessi está – pode-me dizer?
ALAÍDE (com ar ingênuo) – Não responde! (com doçura) Não quer responder?
(Silêncio da outra.)
ALAÍDE (hesitante) – Então perguntarei (pausa) àquela ali
(Corre para as mulheres que dançam.)
ALAÍDE – Desculpe. Madame Clessi. Ela está?
(2ª Mulher também não responde.)
ALAÍDE (sempre doce) – Ah! também não responde?
(Hesita. Olha para cada uma das mulheres. Passa um homem, empregado da casa, camisa de malandro.
Carrega uma vassoura de borracha e um pano de chão. O mesmo cavalheiro aparece em toda a peça, com roupas e personalidades diferentes. Alaíde corre para ele.)
(…)
(Nelson Rodrigues. Vestido de noiva.)
Nelson Rodrigues é um dos mais importantes dramaturgos do teatro brasileiro. Acima, transcrevemos o trecho inicial do primeiro ato da peça Vestido de noiva, obra de grande sucesso do autor.
Percebemos pelos trechos de textos teatrais transcritos que o gênero dramático assume formas variadas. No entanto, seus traços característicos permanecem, sendo os principais a presença constante do diálogo e das rubricas.
Conclusão
Como vimos neste artigo, são três os gêneros literários clássicos: o gênero lírico, o gênero épico e o gênero dramático. Cada um deles tem características próprias que os diferenciam uns dos outros.
Mas é importante saber que um texto literário não apresenta traços de um único gênero. Assim, um mesmo texto pode ter aspectos líricos e também aspectos narrativos.
No entanto, sempre há os traços que são mais predominantes e que permitem colocar esse texto dentro de determinado gênero.
Vimos também que há subgêneros de cada um dos gêneros literários e cada um deles apresenta as suas peculiaridades próprias.
Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.
