O Pré-Modernismo foi um momento bem particular da literatura brasileira, uma vez que não se constituiu propriamente em um estilo artístico.
Como se pode perceber pelo seu título, trata-se de um período anterior ao Modernismo, que compreende os anos entre 1902 e 1922. O Pré-Modernismo é, na verdade, uma transição entre dois estilos: o Realismo e o Modernismo.
Os autores que se destacaram nos primeiros anos do século XX apresentavam ainda em suas obras características do Realismo. No entanto, também anunciavam traços relevantes do estilo que marcaria a literatura do novo século, o Modernismo.
Os dois Brasis
As obras do Pré-Modernismo apresentam como traço comum a intenção de mostrar o Brasil em processo de modernização que começava a se formar no nosso litoral.
E também o Brasil esquecido pelo governo da República recém-instaurada. Esse era o Brasil do interior e da periferia, repleto de problemas a serem resolvidos, de atrasos econômicos e culturais.
Esse constraste entre esses dois cenários ficou conhecido como os “dois Brasis” e está presente nas obras em prosa produzidas nesse período.
Obras literárias do Pré-Modernismo
São quatro as principais obras produzidas no período pré-modernista: Os sertões, de Euclides da Cunha; Urupês, de Monteiro Lobato; Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto; e a coletânea de poemas Eu, de Augusto dos Anjos.
Leia a seguir sobre os principais aspectos dessas quatro obras literárias.
Os sertões, de Euclides da Cunha
Os sertões foi publicado em 1902 e narra os anos finais do conflito de Canudos.
Euclides da Cunha era jornalista e trabalhava escrevendo matérias sobre a guerra para o Jornal O Estado de São Paulo. As notícias que ele publicava falavam de um grupo de jagunços que havia se revoltado contra a República.
No entanto, nos momentos finais do conflito, Euclides foi mandado para a Bahia para, de lá, relatar os fatos. Ao chegar, viu um outro cenário bem diferente daquele que costumava retratar em seus textos para o jornal.
Euclides encontrou um povo subnutrido que lutava por sobrevivência em um ambiente inóspito e seco.
Esse povo se reuniu em torno de um homem chamado Antônio Conselheiro, que o escritor considerava um louco. No entanto, também reconhecia sua importância como líder.
Antônio Conselheiro pregava a paz, a fé e a união. Isso permitiu à população de Canudos organizar um arraial em que todos trabalhavam e dividiam os frutos do trabalho igualmente. Assim, a fome foi embora.
Mas o arraial de Canudos, ou Monte Santo como também era conhecido, cresceu e se tornou autossuficiente. E isso incomodou os fazendeiros em torno e os levou a denunciar o grupo de Antônio Conselheiro para o governo.
Este mandou tropas para o lugar com o intuito de espalhar a população e acabar com o arraial. Mas só na terceira investida do exército houve sucesso.
O arraial de Canudos foi totalmente dizimado. Uma chacina de mais de 5 mil pessoas que vigora como uma das manchas político-sociais de nossa história.
Euclides da Cunha estava lá nesses momentos finais quando houve a chacina. Ele viu o que aconteceu em Monte Santo. E, alguns anos depois, escreveu o livro Os sertões que funciona como uma defesa do homem sertanejo em sua luta por sobrevivência e dignidade.
Os sertões é um romance único em nossa literatura por apresentar uma mistura de gêneros textuais como nenhum outro. É um tratado geográfico, um texto jornalístico, um artigo científico e um relato literário. Tudo junto no mesmo livro.
O romance apresenta estrutura determinista ao ser dividido em três partes: “A terra”; “O homem”; “A luta”.
O determinismo prega que o homem é produto do meio onde vive, de sua raça e de sua condição histórica. A terra árida e o homem desnutrido e faminto, produto dessa terra, seriam os motivos que levaram ao conflito de Canudos.
Por fim, há uma frase no livro que funciona como um pedido de desculpas de Euclides da Cunha pelo retrato negativo que ele construiu em suas notícias sobre o sertanejo antes de, de fato, conhecê-lo.
“O sertanejo é, antes de tudo, um forte”.
Essa frase diz que o homem do sertão nordestino, sujeito ao clima árido, seco, à fome e ao abandono dos órgãos públicos, é ainda assim um forte porque resiste. Porque permanece, acima de todas as dificuldades.
Urupês, de Monteiro Lobato
Urupês é uma coletânea de contos do escritor Monteiro Lobato. Muito conhecido pelas histórias infantis do Sítio do Picapau Amarelo, Lobato também escreveu contos que narram as dificuldades enfrentadas pelas cidades do Vale do Paraíba, no interior do estado de São Paulo.
Essa região tinha, na época, muitas fazendas de café. Em torno delas, muitas pequenas cidades se formaram. Mas, com a queda do café, no início do século, essas cidades foram definhando.
Lobato descreve uma região marcada pela estagnação e pelo conformismo. Uma figura que representa bem esse cenário é um de seus mais famosos personagens, o Jeca Tatu.
Jeca Tatu é um caboclo que mora em um sítio. Lá ele não planta nada, vivendo só daquilo que a natureza naturalmente lhe oferece. Ele recolhe esses frutos das árvores e vende-os na cidade.
Esse personagem pode ser relacionado ao retrato que muitas vezes se fez do indígena: alguém preguiçoso e que sobrevive da natureza ao redor, sem fazer muito esforço para isso.
Uma imagem contrária à que é feita pelos escritores românticos ao descreverem o índio como corajoso, destemido e altruísta.
Mais tarde, Lobato criou um outro personagem, o Zé Brasil. Também um homem do campo como o Jeca Tatu, Zé Brasil é, entretanto, trabalhador e luta por seus direitos. Foi uma tentativa do escritor de se desculpar pela imagem negativa que construiu do caboclo.
No entanto, o personagem que ganhou fama foi mesmo o negativo, ou seja, o Jeca Tatu.
Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto
Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, é um romance que tem como protagonista um visionário, ou seja, um homem sonhador que tem como projeto de vida tornar real o Brasil que ele aprendeu nos livros.
Policarpo Quaresma é funcionário público, mora no subúrbio do Rio de Janeiro e gosta muito de ler. Passou toda a sua vida lendo nos livros sobre um Brasil de terras prósperas e de gente amorosa e receptiva.
Seu desejo, então, é o de ver se tornar real esse Brasil no qual ele acredita piamente. Para isso, faz várias tentativas. Todas frustradas.
A primeira é a de tentar implantar o tupi-guarani como língua oficial do Brasil. Ele leva esse projeto para a câmara dos vereadores e é ridicularizado por isso.
No trabalho, é motivo de piada, tanto que ganha o apelido de Ubirajara, personagem indígena de José de Alencar.
Ao enviar, por engano, um memorando em tupi-guarani ao seu chefe na repartição onde trabalha, Policarpo acaba se envolvendo em outro problema. O chefe, julgando que ele não está em seu juízo perfeito, afasta-o do trabalho.
A família de Policarpo, por sua vez, concordando com o chefe da repartição, decide internar o homem em uma clínica para doentes mentais.
Lá, Policarpo observa os tratamentos dados aos doentes e vê, pelo que ele estudava nos livros, que os médicos estão errados.
Os tratamentos mais prejudicavam os doentes do que ajudava. Quaresma consegue convencer os médicos de que aquele modo de tratar os distúrbios da mente não eram bons e lhes sugere outras formas.
Os médicos são obrigados a concordar e entendem que Policarpo é que não precisa estar internado ali. Recebe, assim, alta da clínica. E vai morar em um sítio no interior do estado.
Em seu sítio, decide arar a terra para o plantio. Mas a terra é árida e ele não consegue plantar nada. Alguns andarilhos passam por ali pedindo comida.
Policarpo, então, oferece a eles a terra, dizendo que podiam plantar ali e que o que colhessem seria deles. Mas isso cria problemas para o agora sitiante.
Os fazendeiros em torno das terras de Policarpo vêem na atitude altruísta dele uma ameaça a suas próprias terras e querem linchá-lo.
Ele volta para a cidade e se alista no exército do Marechal Floriano Peixoto, presidente da República naquele momento. Havia uma revolta contra o Marechal, a Revolta da Armada.
É quando Policarpo descobre que, além das terras brasileiras não serem sempre prósperas, o povo também não é sempre amável e bondoso. Ele vê brasileiros matando brasileiros e se entristece.
A revolta termina e Policarpo ganha um cargo na prisão da Ilha das Cobras, local para onde iam presos políticos. Logo, ele percebe algo de estranho na prisão.
Alguns presos estavam desaparecendo. Policarpo descobre que eles estavam sendo fuzilados sem nenhum julgamento prévio. Ele, então, decide escrever ao Marechal Floriano, denunciando o que está ocorrendo.
Mas o Marechal manda prendê-lo e o acusa de traição. Em seus momentos finais de vida, na cela, esperando pelo seu próprio fuzilamento, Policarpo repensa a sua trajetória e conclui que viveu em vão, em busca de um sonho, uma utopia.
O Brasil dos livros não existe. Ele deixou de namorar, de casar e ter filhos, de se divertir por nada. Esse é o seu triste fim, a frustração de ter vivido em vão.
Eu, Augusto dos Anjos
Augusto dos Anjos é um poeta único em nossa poesia. Ele escreveu apenas um livro entitulado Eu. Essa obra traz uma coletânea de poemas de cunho pessimista e até mesmo escatológico.
O que torna os poemas de Augusto dos Anjos tão peculiares é o fato de sofrerem influência de diversas correntes artísticas da época. Podemos perceber a presença de traços do Naturalismo, do Expressionismo, do Simbolismo e do Parnasianismo.
O Naturalismo aparece nos versos devido às referências científicas nada comuns nos poemas da época e também em relação ao ideário determinista.
Já o Expressionismo se revela no uso de palavras que expressam a degradação do corpo e falam, sem nenhuma esperança, sobre a morte.
Os versos metrificados e a preferência pelo soneto revelam influência do Parnasianismo. E o pessimismo em relação ao ser humano, além da experimentação de novas formas de expressão poética, são reflexos do Simbolismo.
Conclusão
O Pré-Modernismo revela uma arte em estado de transição entre dois estilos, o Realismo e o Modernismo. Esse momento ocorre nas primeiras duas décadas do século XX no Brasil.
É um movimento que expressa uma reflexão crítica sobre o Brasil, revelando a existência de “dois Brasis”: o Brasil do interior e da periferia, atrasado e pobre; e o Brasil do litoral, em processo de industrialização e crescimento.
Há também nas obras pré-modernistas, o interesse em experimentar novas formas de linguagem literária, como o rompimento com regras gramaticais, o uso da linguagem coloquial, a mistura de gêneros textuais e novas formas de versificação.