1984, um romance de Georges Orwell
O romance 1984, do escritor britânico Georges Orwell, publicado em 1949, é um dos livros mais relevantes e famosos da Literatura do século XX. A história criada por Orwell inspirou muitas outras obras posteriores a ela. Mas o mais importante talvez seja o caráter visionário e atual desse romance e sua capacidade de nos fazer pensar sobre a nossa própria realidade.
1984 é uma distopia sobre o totalitarismo e suas artimanhas. O gênero distopia já existia desde o século XIX, com as obras do também britânico H. G. Wells, mas ganhou muita força no século XX. Orwell escreveu duas das mais famosas distopias desse século: 1984 e A revolução dos bichos. Uma distopia é uma narrativa sobre um lugar fictício no qual os indivíduos vivem sob um regime opressor e sufocante.
No caso dessa distopia de Orwell, a história se passa em um país fictício chamado Oceania, que reúne várias partes do mundo antes conhecido. A história em si acontece na antiga Londres, Inglaterra. Oceania é governada por um ditador conhecido pelo povo como o Grande Irmão. Os indivíduos desse país têm sua individualidade controlada pelos mecanismos do governo e qualquer forma de objeção a esse controle é severamente punida.
Orwell era jornalista e admirador do socialismo democrático. Escreveu 1984 no período pós Segunda Guerra e início da Guerra Fria. Esse contexto claramente se reflete no livro. Os horrores do nazismo e do facismo, a polaridade Estados Unidos versus União Soviética, capitalismo versus socialismo, aparecem sob outras formas e designações no livro.
1984, um romance cautelar
Nesse sentido, 1984 é um romance cautelar, uma vez que funciona como uma espécie de aviso sobre a possiblidade de um mundo como o descrito no livro se tornar real. E, se olharmos para os fatos recentes, veremos que, ainda hoje, volta e meia somos levados a temer alguma espécie de autoritarismo, seja ele de esquerda ou de direita.
“Numa história que se repete, ridículos tiranos (e perigosos) surgem, ameaçando a liberdade. Por vezes, têm êxito – e a civilização anda para trás. Hoje, o mundo assiste a uma guerra, com a invasão da Ucrânia. O chefe de Estado do país invasor determinou que, no seu país, não se pode usar o termo ‘guerra’, nem se admite qualquer crítica às forças armadas. Naquela nação, 1984 não é ficção, mas realidade. Isso dá uma boa mostra do motivo pelo qual esse livro ainda nos emociona”.
(José Roberto de Castro Neves, autor do prefácio de 1984 pela Editora Nova Fronteira, 2021)
O enredo de 1984
O enredo de 1984 tem como protagonista Winston Smith, funcionário do governo, que vive como os outros cidadãos de Oceania, alienado sob uma rotina de trabalho e vigilância. O mundo em que Smith vive foi devastado por uma guerra e dela emergiram apenas três países: Oceania, Eurásia e Lestásia. Todos esses países têm governos autoritários e vivem em guerra uns contra os outros.
A estrutura governamental de Oceania é composta por vários ministérios que têm como função manter os indivíduos sob total controle do Partido, ou seja, o governo. Smith trabalha no Ministério da Verdade e seu trabalho é, basicamente, manter a verdade que interessa ao governo. Assim, altera os registros dos fatos de forma que a realidade seja aquela que é boa para o Partido.
Tentanto manter sua sanidade e entendendo que há algo de muito errado na vida sob o governo do Grande Irmão, ele decide escrever um diário. Ou seja, resolve fazer o seu próprio registro da realidade sem a manipulação com que convive em seu trabalho. É o seu ato de insubordinação. Uma prática condenada pelo Estado e que poderia ser punida com a morte. Ainda assim, escondido num canto de sua sala de estar, num ângulo em que não pudesse ser visto pela teletela, ele inicia seus registros.
Smith é um anti-herói, como muitos outros da Literatura. E, como anti-herói, tem uma vida bastante medíocre e sabe disso. No entanto, não tem grandes armas para sair dessa situação. Suas memórias lhe dizem que houve um tempo em que as coisas eram melhores. Ele quer que a vida seja melhor. Mas seu ato de heroísmo não passa da escrita nas folhas do belo e antigo caderno que comprou clandestinamente. Mas é esse ato que faz dele uma espécie de dissidente, de discordante do governo.
Então, Winston Smith encontra Julia. Os relacionamentos amorosos eram desaconselhados pelo governo. O amor, como o sabem os poetas, é subversivo por excelência.
“Quando você faz amor, está consumindo energia; depois se sente feliz e não dá a mínima para coisa nenhuma. E eles não toleram que você se sinta assim. Querem que você esteja estourando de energia o tempo todo. Toda essa história de marchar para cima e para baixo e ficar aclamando e agitando bandeiras não passa de sexo que azedou. Se você está feliz na própria pele, por que se excitar com esse negócio de Grande Irmão, Planos Trienais, Dois Minutos de Ódio e todo o resto da besteirada?”
(Trecho de uma conversa entre Julia e Winston, no livro)
A princípio, Winston não gosta de Júlia, sua colega no ministério. Chega até a pensar que a odeia. Ainda que se sinta fortemente atraído por ela. Mas, após um encontro marcado pela moça, ele muda de ideia. Eles se relacionam em secreto e Julia faz com que Winston questione ainda mais a opressão a que está submetido. Juntos, eles discutem sobre liberdade e sobre se rebelarem contra o governo.
Mecanismos de controle – As teletelas e a Novalíngua
É importante lembrar que, além dos ministérios, o Partido que governava Oceania tinha outras formas de controle da população. Havia a polícia do pensamento que, usando de mecanismos como as teletelas, era capaz de saber o que os cidadãos pensavam e, assim, reprimir qualquer forma de levante.
As teletelas eram telas com câmeras que tanto transmitiam propagandas de exaltação ao governo e a seu governante, o Grande Irmão, quanto vigiavam a vida das pessoas, inclusive, em suas casas. Qualquer comportamente dos indivíduos minimamente estranho visto pelas teletelas era reprimido pela Polícia do Pensamento. As teletelas nunca desligavam e emitiam constantemente o duplipensar, o pensamento conflitante que admitia duas crenças opostas como verdade.
“(…) aplicar o próprio processo ao processo. Essa era a sutileza máxima: induzir conscientemente a inconsciência, e então, tornar-se inconsciente do ato de hipnose que se acabava de realizar. Até para compreender a palavra “duplipensar” era necessário usar o duplipensar”.
Outra forma de controle estava na Novalíngua, uma língua criada para manter os indivíduos incapazes de construírem pensamentos complexos. A nova linguagem funcionava como um empobrecimento da própria linguagem. Palavras eram subtraídas ou aglutinadas a outras numa síntese que garantia a superficialidade da comunicação entre os falantes. A Novalíngua mantinha, assim, a alienação dos indivíduos, conforme interessava ao governo.
“Essas pessoas podiam ser levadas a acreditar nas violações mais flagrantes da realidade porque nunca entendiam por inteiro a enormidade do que se solicitava delas, e não estavam suficientemente interessadas nos acontecimentos públicos para perceber o que se passava”.
Em busca da almejada liberdade, Winston e Júlia decidem entrar para um grupo de rebeldes liderados por O’Brien. Esse, na verdade, era um infiltrado do Partido que denuncia o casal e os leva para um local de tortura, a sala 101. Ali, submetidos aos seus maiores medos, os amantes são levados a trair os seus ideais e sentimentos.
Winston Smith acaba se convertendo novamente ao Partido e declarando o seu amor ao Grande Irmão. A história termina, portanto, sem redenção e demonstrando o que um governo totalitário pode fazer com o indivíduo, levá-lo a sua completa anulação.
1984, um romance sem redenção
Georges Orwell escreve um romance sem esperança, em que não há nenhuma saída para aqueles que tentam fugir da alienação e da opressão do totalitarismo. Essa não é, portanto, uma história com final feliz. Ao contrário, a trama de 1984 é sufocante e cheia de desalento. No entanto, impossível de ser deixada de lado.
Isso porque essa é uma história fictícia cheia de realidade. Ou seja, o que 1984 conta revela muito sobre as relações de poder a que, em maior ou menor grau, estamos todos submetidos. O mundo do romance não está tão distante do mundo em que vivemos hoje e, vez ou outra, nos deparamos com pensamentos, ideias ou governantes que se parecem muito com aqueles do Partido.
Além disso, parentes não tão distantes das teletelas andam por aí ao nosso redor e nos nossos bolsos.
Vigiar os cidadãos, manipular a verdade, controlar o pensamento. Manter o domínio sobre os indivíduos através da língua e de um ser maior que tudo sabe e tudo vê. Ter sempre um inimigo a combater e manter o povo em alerta constante contra esse inimigo, desviando sua atenção de outras questões. Todas formas de controle e manutenção do poder.
“Guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força”.
1984 é um distopia atemporal que traz um alerta sobre a importância de permanecermos atentos a toda e qualquer forma de limitação das liberdades individuais e da alienação do pensamento.
Quer ler mais sobre totalitarismo na literatura? Leia nossa resenha sobre o livro A biblioteca de Paris.