O Quinhentismo corresponde ao primeiro século da colonização no Brasil, entre 1501 e 1600. O nome dado a esse período justifica-se justamente por serem os anos de 1500.
As obras produzidas nesse momento refletem a visão de mundo e os interesses dos colonizadores. São também uma importante fonte para a produção da literatura romântica e modernista.
Veja neste artigo o contexto histórico do Quinhentismo, como se caracterizam as obras desse período e quem são seus principais autores.
Contexto histórico do Quinhentismo brasileiro
O primeiro século da colonização no Brasil é marcado pelo encontro e convivência entre os colonizadores portugueses e os indígenas moradores da terra.
Esse não foi um encontro pacífico e tranquilo, mas, sim, marcado por uma intensa exploração das riquezas naturais brasileiras e a escravização dos indígenas.
Durante esse período, os europeus que por aqui passaram e os colonos que se estabeleceram na terra produziram documentos sobre o Brasil. Também os padres jesuítas, enviados para a catequese dos indígenas e dos colonos, escreveram obras de cunho religioso que refletem os costumes e as culturas de colonizadores e colonizados.
Características do Quinhentismo
As obras e documentos produzidos durante o Quinhentismo brasileiro são registros importantes para entendermos o processo de colonização do Brasil. Essas obras demonstram como funcionava o projeto português de dominação e exploração da terra.

Além dos colonos portugueses que aqui ficaram morando, os padres jesuítas fundaram missóes em várias áreas, onde ensinavam a língua portuguesa e a religião católica aos indígenas.
Desse processo, duas formas de produção textual surgiram: a literatura informativa e a literatura jesuítica.
Literatura informativa
O termo literatura, no período do Quinhentismo, deve ser entendido em seu sentido amplo, ou seja, como textos escritos, uma vez que a palavra vem do termo que, em latim, quer dizer letra.
Assim, é possível chamar os textos produzidos pelos viajantes europeus que aportaram em terras brasileiras nos anos de 1500 de literatura. No caso, a literatura informativa.
A literatura informativa são os documentos e textos escritos sobre o Brasil com o intuito de informar sobre como eram a natureza e os povos moradores dessas terras.
O primeiro desses textos é a Carta de Achamento do Brasil, escrita por Pero Vaz de Caminha. Além desse documento, outros escritos por europeus foram produzidos no primeiro século da colonização portuguesa.
Esses textos retratam o modo como os europeus viam a terra, a natureza e os povos que aqui viviam. Demonstram também os interesses dos colonizadores em relação às nossas riquezas naturais.
A Carta de Achamento do Brasil
Pero Vaz de Caminha era o escrivão dos navios portugueses capitaneados por Pedro Álvares Cabral que chegaram ao Brasil em 1500.
Caminha tinha a missão de registrar os acontecimentos ocorridos durante a viagem e os documentos enviados à Corte portuguesa. Assim, escreveu ao rei D. Manuel o primeiro registro sobre o Brasil, a famosa Carta do Achamento.
O texto revela o modo como os portugueses se aproximaram da terra, fala de como os indígenas receberam os visitantes e de como esses últimos viam os moradores da terra.
Além de importante registro histórico, a carta de Caminha demonstra que o encontro entre europeus e indígenas não foi amistoso e, sim, carregado de tensão. Dá para perceber também um sentimento de atração e de repulsa de ambas as partes nas entrelinhas do texto.
Também ficam claros o projeto exploratório dos colonizadores e o interesse deles pelas riquezas naturais e pela força de trabalho indígena. Veja a seguir um dos trechos mais conhecidos da carta:
Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que aí não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calecute, bastaria. Quando mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa santa fé. E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza do que nesta vossa terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, que o desejo que tinha, de Vos tudo dizer, mo fez assim pôr pelo miúdo. E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d’Ela receberei em muita mercê.
Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz,
hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.
Pero Vaz de Caminha
Esse e outros trechos do texto de Caminha inspiraram e serviram de base para a produção de obras posteriores que acabaram por ajudar a criar uma visão do Brasil que tem se perpetuado até os dias atuais. Aquela que fala de um país de natureza exuberante e de um povo alegre e hospitaleiro.
Literatura jesuítica
Na terceira década do século XVI, os padres da Companhia de Jesus, os jesuítas, foram mandados para o Brasil com o objetivo de catequizar e educar os colonos portugueses e os povos indígenas.
Os jesuítas fundaram missões em várias áreas do litoral brasileiro. Um deles, o padre José de Anchieta, aprendeu a língua tupi-guarani para, então, se comunicar e catequizar os indígenas.
Anchieta escreveu e produziu peças teatrais, conhecidos como autos, que ensinavam através da dramaturgia e da música os princípios cristãos. Muitos dos atores dessas peças eram crianças, os curumins que frequentavam as missões. Eles formavam corais e cantavam nas apresentações.
Tentai
velhos vícios extirpar,
e as maldades cá da terra
evitai, bebida e guerra,
adultério, repudiai
tudo o que o instinto encerra.
Amai vosso Criador
cuja lei pura e isenta
São Lourenço representa.
Engrandecei ao Senhor
que de bens vos acrescenta.
Este mesmo São Lourenço
que aqui foi queimado vivo
pelos maus, feito cativo,
e ao martírio foi infenso,
sendo o feliz redivivo.
Fazei-vos amar por ele,
e amai-o quanto puderdes,
que em sua lei nada se perde.
E confiando mais nele,
mais o céu se vos concede.
Auto representado na festa de São Lourenço
A forma como Anchieta catequizava é chamada de aculturação. Os indiozinhos cantavam e gradativamente aprendiam sobre a religião católica, a língua portuguesa e os costumes do colonizador. E, aos poucos, abandonavam sua própria cultura e crenças para adotar as dos colonizadores.

Anchieta também escreveu poemas de fundo religioso que retratam o seu amor a Maria, como o Poema à Virgem. O padre também escreveu a primeira gramática do tupi-guarani, a Cartilha dos Nativos, e cartas que informavam sobre fatos ocorridos no dia a dia da colônia.
Ó doce chaga, que repara os corações feridos,
Abrindo larga estrada para o Coração de CRISTO.
Prova do novo amor que nos conduz a união! (Amai uns aos outros como EU vos amo)
Porto do mar que protege o barco de afundar!
Em TI todos se refugiam dos inimigos que ameaçam:
TU, SENHOR, és medicina presente a todo mal!
Quem se acabrunha em tristeza, em consolo se alegra:
A dor da tristeza coloca um fardo no coração!
Por Ti Mãe, o pecador está firme na esperança,
Caminhar para o Céu, lar da bem-aventurança!
Ó Morada de Paz! Canal de água sempre vivo,
Jorrando água para a vida eterna!
Esta ferida do peito, ó Mãe, é só Tua,
Somente Tu sofres com ela, só Tu a podes dar.
Dá-me acalentar neste peito aberto pela lança,
Para que possa viver no Coração do meu SENHOR!
Entrando no âmago amoroso da piedade Divina,
Este será meu repouso, a minha casa preferida.
No sangue jorrado redimi meus delitos,
E purifique com água a sujeira espiritual!
Embaixo deste teto (Céu) que é morada de todos,
Viver e morrer com prazer, este é o meu grande desejo.
Além de José de Anchieta, o padre Manuel da Nóbrega também produziu textos que retratam os costumes e acontecimentos ocorridos nas missões jesuíticas e são importantes documentos históricos do Brasil Colônia.
Os padres jesuítas ajudaram, através de suas missões, a fundar cidades, como Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, durante os primeiros anos da colonização.
O Quinhentismo nas obras do Romantismo e do Modernismo brasileiros
Os textos quinhentistas, além de importantes documentos históricos, foram também fontes de pesquisa e inspiração para obras posteriores da literatura brasileira. Dois estilos posteriores ao Quinhentismo basearam-se em seus textos para produzir suas obras: o Romantismo e o Modernismo.
Quanto ao Romantismo, os textos quinhentistas serviram como referência para a criação de personagens indígenas que protagonizam histórias heróicas e inspiradoras. Os costumes desses povos são retratados nessas obras ainda que de forma idealizada.
O Canto do Guerreiro
Aqui na floresta
Dos ventos batida,
Façanhas de bravos
Não geram escravos,
Que estimem a vida
Sem guerra e lidar.
– Ouvi-me, Guerreiros,
– Ouvi meu cantar.
II
Valente na guerra,
Quem há, como eu sou?
Quem vibra o tacape
Com mais valentia?
Quem golpes daria
Fatais, como eu dou?
– Guerreiros, ouvi-me;
– Quem há, como eu sou?
III
Quem guia nos ares
A frecha emplumada,
Ferindo uma presa,
Com tanta certeza,
Na altura arrojada
onde eu a mandar?
– Guerreiros, ouvi-me,
– Ouvi meu cantar.
(…)
Gonçalves Dias
Já os escritores do Modernismo, principalmente em seu primeiro momento, usaram os textos quinhentistas como fonte de pesquisa para a elaboração de obras de cunho reflexivo. Ao invés da idealização, o que marca esses textos é a visão crítica sobre o processo de colonização do Brasil.
No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia, tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.
Mário de Andrade. Macunaíma.
Conclusão
O Quinhentismo brasileiro é o período entre 1501 e 1600 que corresponde ao primeiro século da colonização portuguesa no Brasil.
Nesse período, foram produzidas obras que retratam o primeiro encontro entre portugueses e indígenas, o cotidiano da colônia e os interesses dos portugueses pelas terras brasileiras.
Os textos quinhentistas são um importante registro histórico do Brasil Colônia e serviram também de base para a produção de obras de estilos literários posteriores, o Romantismo e o Modernismo brasileiros.
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Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.
