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O avesso da pele, de Jeferson Tenório: resenha

  • Samira Mór 
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Publicado em 2020, O avesso da pele é um dos romances mais importantes da literatura brasileira contemporânea.

Escrito por Jeferson Tenório, a obra venceu o Prêmio Jabuti de Romance Literário em 2021 e foi traduzida para diversos idiomas, chegando a países como França, Itália e Espanha.

Mais que sucesso de vendas, o livro tornou-se símbolo de resistência cultural ao tratar de racismo estrutural, violência policial e memória coletiva.

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Tenório, nascido em 1977 no Rio de Janeiro e radicado em Porto Alegre desde a juventude, é doutor em Teoria Literária pela PUC-RS, professor e cronista. Foi o primeiro autor negro a ser escolhido patrono da Feira do Livro de Porto Alegre, em 2020.

Sua trajetória é marcada por um compromisso claro: dar voz às experiências negras brasileiras e denunciar desigualdades históricas.

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Quem é Jeferson Tenório?

Com formação em Letras e doutorado em Teoria Literária, Jeferson Tenório leciona na rede pública e escreve regularmente em veículos como UOL e Zero Hora.

Antes de O avesso da pele, publicou O beijo na parede (2013), considerado livro do ano no Rio Grande do Sul, e Estela sem Deus (2018). Recentemente, lançou o romance De onde eles vêm (2024), que tem como pano de fundo o sistema de cotas universitárias.

O autor de O avesso da pele, Jeferson Tenório.

Além da literatura, Tenório é um pensador engajado no debate público sobre racismo, violência policial, desigualdade social e educação, temas que atravessam tanto suas colunas quanto sua obra ficcional.

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Resumo de O avesso da pele

A narrativa é conduzida por Pedro, jovem negro que enfrenta o luto após o assassinato do pai, Henrique, professor de Literatura morto durante uma abordagem policial.

A morte, tratada logo nas primeiras páginas, não é apenas um ponto de partida dramático: é a chave que leva o narrador a revisitar o passado, buscando compreender quem foi esse pai e o que sua vida representou.

A estrutura do romance é fragmentada, dividida em quatro partes: a pele, o avesso, de volta a São Petersburgo e a barca. Essa organização reforça a ideia de que a memória é feita de pedaços, de lembranças nem sempre lineares.

Pedro reconstrói a história de Henrique por meio de lembranças da infância, memórias da mãe Martha, de colegas de escola e de sua própria experiência como filho de um homem negro que tentou resistir, dentro e fora da sala de aula, a um sistema racista.

Livro O avesso da pela, de Jeferson Tenório.

Ele descobre também as contradições do pai: um homem culto, mas atravessado por mágoas, dificuldades financeiras e frustrações pessoais.

Ao longo da narrativa, o racismo aparece de várias formas: no ambiente escolar, nas relações sociais, na abordagem policial que culmina na morte de Henrique.

O romance expõe não só a violência explícita, mas também as microagressões e silenciamentos que marcam a vida de pessoas negras no Brasil.

O tom é de dor e saudade, mas também de reflexão. Pedro busca compreender se é possível transformar o luto em resistência, se é possível, a partir do “avesso” da pele, reconstruir a memória e reinventar o futuro.

Relevância e a crítica social em O avesso da pele

O avesso da pele ganhou notoriedade por abordar diretamente temas centrais do Brasil contemporâneo: racismo estrutural, violência policial e a precarização da educação pública.

É uma obra que não se limita a narrar uma tragédia individual, mas denuncia uma realidade coletiva.

A recepção crítica foi muito positiva, e o livro passou a ser usado em salas de aula de ensino médio, até ser alvo de tentativas de censura em alguns estados brasileiros.

Essa polêmica acabou ampliando ainda mais seu alcance, reforçando a importância da obra como instrumento de reflexão social.

Diálogo com outras obras da literatura brasileira

O romance de Tenório se insere numa tradição literária que aborda o racismo de forma contundente.Antes de O avesso da pele, outras obras também tematizaram essa questão e a colocaram como ponto de discussão.

É o que vemos nos diários de Carolina Maria de Jesus, condensados em sua conhecidada obra Quarto de despejo (1960), em que retratou a vida de uma catadora de papel na favela do Canindé, em São Paulo, expondo desigualdade e exclusão.

Conceição Evaristo também em várias de suas obras tem o racismo como tema. Em Olhos d’água (2014), por exemplo, a autora traz o conceito de escrevivência, dando forma literária às experiências de mulheres negras brasileiras.

Livro Olhos d'água, de Conceição Evaristo. Temática semelhante ao O avesso da pele, de Jeferson Tenório.

Ana Maria Gonçalves, em Um defeito de cor (2006), reconstituiu a vida de uma mulher africana escravizada, abordando diáspora e identidade.

Paulo Scott, em Marrom e Amarelo (2019), explorou o colorismo e as tensões familiares entre irmãos negros de diferentes tonalidades de pele.

Jeferson Tenório, em O avesso da pele, dialoga com todas essas vozes, mas imprime um estilo próprio: fragmentado, poético e marcado pela perspectiva íntima do filho que busca compreender o pai.

A polêmica da censura

Em 2024, O avesso da pele foi retirado de escolas públicas do Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul, sob alegação de conter linguagem inapropriada.

O autor reagiu dizendo que o incômodo não era com palavrões, mas com a discussão do racismo e da violência policial. Críticos classificaram a decisão como censura e silenciamento de uma voz negra.

O efeito foi contrário ao esperado: o livro ganhou ainda mais leitores, teve aumento de vendas e passou a ser defendido por professores, artistas e intelectuais em todo o país.

FAQ sobre O avesso da pele

O que fala O avesso da pele?

O livro trata da morte de Henrique, professor negro assassinado pela polícia, e da tentativa de seu filho Pedro de reconstruir a vida do pai por meio de memórias e reflexões. É uma narrativa sobre racismo estrutural, violência policial, educação e identidade.

Por que o livro O avesso da pele foi censurado?

Em 2024, o livro foi retirado de algumas escolas por suposto “vocabulário inadequado”. A justificativa foi contestada por críticos e educadores, que viram a medida como censura. Na prática, o incômodo era com os temas centrais da obra: racismo e violência.

Como foi a morte de Henrique em O avesso da pele?

Henrique, pai do narrador, foi morto durante uma abordagem policial. A cena é tratada de forma seca e direta no início do livro, refletindo a banalização da violência contra corpos negros no Brasil.

Onde se passa O avesso da pele?

A história se passa em Porto Alegre, onde Jeferson Tenório vive. A ambientação é marcada por referências a espaços urbanos e periféricos da cidade, ressaltando as desigualdades sociais e raciais presentes na vida dos personagens.

Conclusão

O avesso da pele é, ao mesmo tempo, romance íntimo e denúncia social. É um livro sobre perda, mas também sobre reconstrução. Jeferson Tenório mostra que escrever é resistir, e que a literatura pode iluminar dores que muitos tentam esconder.

Ao lado de autoras como Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo e Ana Maria Gonçalves, Tenório firma seu nome como uma das vozes mais importantes da literatura brasileira contemporânea.

Sua obra nos convida a olhar para o avesso da nossa própria pele — e reconhecer o que ela guarda de memória, dor e luta.

Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.

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