A força de mulher faz-se presente de forma poderosa através das páginas da literatura brasileira, revelando um universo de resistência e superação.
A história literária do nosso país é um espelho multifacetado de suas dores, belezas e, principalmente, de sua inabalável capacidade de superação.
Dentro dessa narrativa, a presença feminina é constante e essencial, manifestando-se tanto em personagens inesquecíveis quanto nas próprias autoras que, ao longo do século XX e no início do XXI, transformaram a escrita em um ato de poderosa resistência.
Em tempos de crise — sejam elas sociais, políticas ou existenciais —, a pena feminina se fez voz para narrar as complexidades do universo feminino, denunciar opressões e celebrar a força que tem a mulher em suas mais diversas formas.
Este artigo propõe uma jornada pelas obras de escritoras brasileiras que não só contaram histórias de mulheres, mas também as armaram com a potência da palavra para enfrentar e transpor os desafios de suas épocas.
Escritoras brasileiras do século XX que demonstraram a força de mulher em sua escrita
Clarice Lispector (1920-1977)
Embora não focasse explicitamente em crises sociais ou políticas, a obra de Clarice Lispector é um mergulho profundo na psique feminina, em seus questionamentos existenciais, angústias e buscas por sentido.
Suas personagens femininas, muitas vezes em crise consigo mesmas e com o mundo, representam uma forma de resistência através da introspecção e da busca por uma identidade autêntica.
Obras Notáveis: A Hora da Estrela, Perto do Coração Selvagem, Laços de Família, Uma aprendizagem ou livro dos prazeres, A paixão segundo G.H., Felicidade clandestina, entre outras.

Rachel de Queiroz (1910-2003)
Primeira mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras. Suas obras frequentemente retratam a mulher nordestina em meio às adversidades da seca e da injustiça social, mostrando sua força e capacidade de sobrevivência.
A resistência feminina em suas narrativas é um reflexo das duras realidades do sertão.
Obras Notáveis: O Quinze, Memorial de Maria Moura, As Três Marias, entre outras.
Cora Coralina (1889-1985)
Publicou seu primeiro livro aos 76 anos, sendo um exemplo de persistência e resistência em si.
Suas poesias e contos abordam a vida simples do interior, a sabedoria popular e a força da mulher em seu cotidiano, muitas vezes lidando com dificuldades e reinventando-se. A memória e a oralidade são elementos-chave em sua obra.
Obras Notáveis: Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, Vintém de Cobre: Meias Confissões de Aninha.
Lygia Fagundes Telles (1923-2022)
Mestra na arte do conto e do romance psicológico, Lygia explora as complexidades da alma feminina, suas relações, dilemas e confrontos com as convenções sociais.
Suas personagens femininas frequentemente se veem em situações de crise existencial ou social, buscando um caminho para a liberdade e a autonomia.
Obras Notáveis: As Meninas, Ciranda de Pedra, Antes do Baile Verde.
Carolina Maria de Jesus (1914-1977)
Sua obra é um testemunho cru e poderoso da vida na favela, da miséria e da discriminação.
Carolina, mulher negra e catadora de papel, resistiu através da escrita, documentando sua realidade e a de outras mulheres em um contexto de extrema vulnerabilidade social e econômica.
Obras Notáveis: Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada.
Hilda Hilst (1930-2004)
Com uma escrita provocadora e intensa, Hilda Hilst abordou temas como amor, erotismo, loucura, transcendência e a condição humana de forma singular.
Suas personagens femininas desafiam as normas e buscam a liberdade de expressão e de ser, representando uma resistência cultural e existencial.
Obras Notáveis: A Obscena Senhora D., Da Morte. Odes Mínimas.

Conceição Evaristo (1946-)
Criadora do conceito de “escrevivência”, sua obra é um marco na literatura afro-brasileira. Conceição narra as experiências de mulheres negras, suas lutas, resistências e a força de sua ancestralidade em um país marcado pelo racismo e pela desigualdade social.
Suas histórias são um ato de resgate da memória e de afirmação da identidade.
Obras Notáveis: Ponciá Vicêncio, Olhos d’Água, Becos da Memória, Canção para ninar menino grande, entre outras.
Ana Maria Gonçalves (1970-)
Com seu romance épico Um Defeito de Cor, Ana Maria Gonçalves resgata a história de uma mulher africana escravizada no Brasil que luta pela liberdade e pela memória de seus antepassados.
A obra é um potente retrato da resistência feminina em um dos períodos mais brutais da história brasileira.
Obras Notáveis: Um Defeito de Cor.
Carla Madeira (1964-)
Carla Madeira tem se destacado na literatura contemporânea com romances que exploram a complexidade das relações humanas, o luto, a superação e a busca por sentido em meio a crises pessoais.
Suas personagens femininas são fortes, imperfeitas e profundamente humanas, refletindo a resiliência em face da dor e da adversidade.
Obras Notáveis: Tudo é Rio, A Natureza da Mordida, Véspera.
Aline Bei (1987-)
Jovem escritora que se destaca pela delicadeza e força de sua prosa poética.
Suas obras abordam as dificuldades da vida, a solidão, as relações familiares e a busca por um lugar no mundo, muitas vezes através do olhar de personagens femininas que encontram na resiliência uma forma de seguir em frente.
Obras Notáveis: O Peso do Pássaro Morto, Pequena Coreografia do Adeus.
Djamila Ribeiro (1980-)
Embora seja mais conhecida por seus ensaios e obras de filosofia política, Djamila Ribeiro tem um impacto imenso na forma como as mulheres negras e suas experiências são lidas e compreendidas no Brasil.
Sua obra é um convite à reflexão sobre o lugar de fala, o feminismo negro, o racismo e a construção da identidade feminina em um contexto de opressão. Sua “força de mulher” reside na potência de sua voz e na capacidade de mobilizar discussões fundamentais.
Obras Notáveis: Pequeno Manual Antirracista, Quem Tem Medo do Feminismo Negro?, Lugar de Fala.
Martha Batalha (1973-)
Com um humor sutil e uma prosa envolvente, Martha Batalha explora a vida de mulheres que, de diferentes formas, resistem às expectativas sociais e buscam a própria autonomia.
Suas histórias, muitas vezes ambientadas em épocas passadas, ressoam com questões contemporâneas sobre o papel da mulher na sociedade, a busca por liberdade e a quebra de padrões.
Obras Notáveis: A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, Nunca Houve um Castelo.
Maria Valéria Rezende (1942-)
Ganhadora de diversos prêmios, Maria Valéria Rezende escreve com uma sensibilidade profunda sobre a vida de pessoas invisíveis e marginalizadas, muitas vezes com um forte foco nas mulheres.
Suas narrativas abordam a velhice, a migração, a pobreza e as formas de resistência cotidianas dessas mulheres diante das adversidades sociais e pessoais.
Obras Notáveis: Quarenta Dias, O Voo da Guará Vermelha, Uma Costura em Ponto Cruz.

Jarid Arraes (1987-)
Escritora e cordelista, Jarid Arraes tem uma obra potente que resgata e celebra a história e a cultura de mulheres negras brasileiras, muitas vezes esquecidas ou invisibilizadas.
Sua escrita é um ato de resistência e valorização da ancestralidade, mostrando a força e a luta dessas mulheres em diversos períodos históricos e contextos sociais.
Obras Notáveis: Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis, Redemoinho em Dia Quente.
Natalia Borges Polesso (1981-)
Natalia Polesso é conhecida por sua prosa afiada e por abordar temas como sexualidade feminina, identidade, e as complexidades das relações humanas, muitas vezes com um toque de estranhamento e crítica social.
Suas personagens femininas enfrentam desafios e resistem a padrões, buscando se afirmar em um mundo em constante mudança.
Obras Notáveis: Amora, Controle.
Conclusão
Ao final desta jornada pelas vozes femininas que se destacam em nossa literatura, fica evidente que a força de mulher é um pilar inabalável e transformador.
Das pioneiras que abriram caminhos no século XX às autoras contemporâneas que redefinem narrativas no século XXI, a escrita feminina tem sido um campo fértil para a resistência.
Elas não apenas retrataram o universo feminino em suas múltiplas facetas — suas alegrias, dores, dilemas e conquistas — mas também ofereceram uma possibilidade de esperança e coragem em momentos de crise.
Através de cada conto, romance ou poesia, essas escritoras reafirmam que a palavra é uma ferramenta poderosa de empoderamento e mudança, perpetuando o legado de mulheres que, com sua arte, continuam a inspirar novas gerações a reconhecer e celebrar a indomável força de mulher que habita em cada um de nós e nas páginas de nossa rica literatura.
Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.
