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Top 5: Meus Amores Literários

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É fato. Os amores que vivemos na vida não são só os da realidade concreta e paupável. Na vida de um leitor, por exemplo, ou leitora, como eu, existem também os amores literários. Sim. os amores que nos chegam através dos livros, esse objeto maravilhoso e cheio de possibilidades.

Como na vida paupável, nós, leitores, temos, inclusive, um primeiro amor. Sabe aquele escritor ou escritora que, pela primeira vez em sua vida, foi capaz de tocar profundamente o seu coração? Pois é. O meu primeiro amor literário, aliás, uma paixão e tanto, foi Vinícius de Moraes.

Eu tinha dez anos quando ele morreu. Lembro-me de ter chorado um bom tempo e de ter ficado pensando que o mundo não tinha mais o poeta da Arca de Noé: “Era uma casa muito engraçada/Não tinha teto, não tinha nada”.

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O primeiro poema que decorei na vida foi o Soneto de Fidelidade: “Que não seja imortal, posto que é chama/Mas que seja infinito enquanto dure”. Ah como eu amei, e ainda amo, o Poetinha, Vinícius de Moraes.

Depois, na adolescência, apaixonei-me novamente, agora por um poeta que fazia músicas. E as cantava com intensidade e paixão e uma voz rouca e deliciosa! Era ele o poeta da “vida louca”, o meu amado Cazuza.

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Amor aos livros

Quantas músicas decorei, versos que caminharam comigo por décadas, e caminham ainda hoje: “Pra que mentir, fingir que perdoou/ Tentar ficar amigos sem rancor/ A emoção acabou/ Que coincidência é o amor/ A nossa música nunca mais tocou”, de Codinome Beija-flor, me emociona toda vez que ouço e já embalou até um dor de cotovelo por um amor da vida real que tive há uns anos atrás.

Mais tarde, já adulta, descobri Fernando Pessoa e seus heterônimos perfeitos. Álvaro de Campos sempre me irritou, mas como me vi e entendi muito sobre mim através de sua euforia e de sua angústia tão modernas. Ricardo Reis me encantou com sua classe e comedimento. A beleza de versos que sabem como sintetizar sentimentos e ideias.

E Alberto Caeiro? Nesse, me perdi completamente. Sua simplicidade cheia de profundidade, sua mensagem tão atual. O importante é sentir, não pensar. Difícil, meu caro Caeiro, difícil! E Mensagem, de Fernando Pessoa, e seus versos inesquecíveis? “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”, “O mito é o nada que é tudo”.

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Lembro-me de ter comprado um livro com a compilação de todos os poemas dos heterônimos e o poema Mensagem, do Pessoa-Ele mesmo. Como li e reli os poemas desse livro e como compartilhei com uma amiga, ambas estudantes de Letras da UFJF e ambas apaixonadas pelo poeta português recém-descoberto, minhas impressões sobre os versos pessoanos.

Nessa época também, precisei dividir o meu amor com um outro poeta. Esse, brasileiro e com uma história de vida tocante e admirável. Seu nome? Manuel Bandeira. Esse poeta tão lindo me ensinou que as pequenas coisas são, na verdade, as maiores coisas.

Bandeira descobriu, aos dezessete anos, no início do século XIX, que tinha tuberculose. Esse diagnóstico mudou drasticamente a sua vida e o impediu de realizar o sonho de ser arquiteto.

Com uma previsão curta de vida, carregando a morte como sua companheira inseparável, Manuel Bandeira tornou-se arquiteto de versos. Muitos versos, uma poesia longa porque, na verdade, ele viveu oito décadas e pode ler e estudar bastante a cultura brasileira e mundial.

Era um erudito que tinha a capacidade de tornar simples e próxima do leitor a sua sabedoria. “A poesia está tanto nos grandes amores quanto nos chinelos”. E, assim, fazia seus poemas, nascidos das coisas mais simples, enquanto esperava a “Indesejada das gentes” (a morte) chegar.

Meu amor literário mais recente, e o Top 5 dessa lista, é um escritor, poeta, compositor e cantor de olhos verdes e sorriso franco chamado Chico Buarque de Holanda. Sendo um artista da geração anterior à minha, só fui entender a grandeza de sua obra quando estava já chegando à maturidade.

Mas acho que compreender os versos de Chico precisam mesmo de um pouco mais de maturidade. “Saiba que os poetas, como os cegos, podem ver na escuridão” e, sim, ele pode ver na escuridão. E quanta luz Chico trouxe aos meus dias, ao meu entendimento da poesia e da literatura e ao meu lugar nesta vida enquanto mulher.

Porque Chico tem olhos capazes de ver as angústias e incertezas femininas. É um observador apaixonado das mulheres e, às vezes, diz coisas tão pertinentes: “Quando talvez me quiser rever, já vai me encontrar refeita, pode crer/ Olhos nos olhos, quero ver o que você diz/ Quero ver como suporta me ver tão feliz”.

E ai estão os meus cinco amores literários. Amei-os cada um em um tempo de minha vida e os amo hoje a todos com um afeto que se renova a cada vez que visito suas obras.

Por isso, o meu Top 5 não está em ordem descrescente e de intensidade ou de maior importância ou valor, mas em ordem temporal. Amei Vinícius, Cazuza, Pessoa, Bandeira e Chico, cada um a seu tempo e todos aos mesmo tempo hoje. O bom do coração do leitor é que cabem muitos amores literários e o amor por um não acaba porque começa por outro.

Mas, antes de terminar essa crônica em forma de lista, quero acrescentar mais um amor literário que também descobri no tempo de faculdade e que, diferente dos demais, não é um poeta, mas uma escritora, Clarice Lispector.

Amores literários

A complexidade da obra de Clarice me atraiu desde os primeiros contos que li. Me encontrei em tantas de suas histórias, na menina ruiva solitária e agarrada a uma velha bolsa e seu amor impossível por um basset tão ruivo quanto ela.

Ou na dona de casa que vê um cego mascando chicletes no ponto do ônibus e se dá conta de que sua vida não é perfeita, que a vida não pode ser perfeita nem controlada por suas mãos pequenas e fortes.

Ou ainda na menina que ama livros e quer muito ler As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, mas, não podendo comprar, é torturada pela filha do dono de livraria que promete lhe emprestar o livro só para humilhá-la.

Ah… são muitas as histórias que Clarice me deu como presente à memória. Mas essa crônica já se estendeu demais. Quem sabe não dedico um post desses só a essa minha amada?

E você, caro leitor, quais são os seus amores literários? Também tem o seu Top 5? Conta pra mim nos comentários.

Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.

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