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Romantismo no Brasil: a Prosa Romântica Brasileira

  • Samira Mór 

O Folhetim

A prosa romântica brasileira está intimamente relacionada ao surgimento do folhetim. O folhetim era um caderno que vinha dentro dos jornais da época e que trazia entretenimento cultural para os leitores.

Página do jornal Marmota Fluminense em que se publicavam os romances românticos brasileiros da época.
Caderno do Jornal Marmota Fluminense

Um desses entretenimentos era o capítulo de um romance europeu traduzido para o português. Os leitores, principalmente as mulheres, aguardavam com avidez os capítulos das obras que as faziam suspirar e se emocionar com mocinhas apaixonadas e vilões malvados.

O folhetim caracterizava-se por:

  • Casal de amantes apaixonados, protagonistas da trama, que precisavam enfrentar uma série de desafios para poderem ficar juntos;
  • Triângulo amoroso, havia uma terceira pessoa, que podia ou não ser o vilão ou vilã da história, que se intrometia na relação do casal protagonista;
  • Um vilão ou vilã, antagonista da história, que atrapalha a união do casal e tem intenções escusas e mau caráter;
  • Aventuras, desafios, segredos, reviravoltas, tudo para tornar a trama emocionante e envolvente;
  • Os capítulos terminam sempre com algo em suspenso que só será resolvido no capítulo posterior, isso intensifica a expectativa do leitor e o mantém interessado;
  • Final feliz, com a união do casal, casamento e nascimento de filhos, ou seja, a formação da família.

O folhetim tornou-se o molde dos romances românticos e imprimiu um modelo de vida burguês caracterizado pela valorização do amor e da família.

Nessas histórias, o bem sempre vence o mal e esses dois lados são bem delimitados e representados pelo mocinho, do lado do bem, e pelo vilão, do lado do mal. É o chamado maniqueísmo.

Os primeiros folhetins eram romances europeus traduzidos que inspiraram os nossos escritores, inclusive o maior dos prosadores românticos José de Alencar. Há menção em sua biografia de que Alencar, quando jovem, lia os capítulos dos folhetins na sala de estar de casa para as irmãs e a mãe, enquanto elas bordavam.

Cena da novela A Moreninha, inspirada no romance homônimo de Joaquim Manuel de Macedo.
Cena da novela A Moreninha

O primeiro folhetim de sucesso escrito por um brasileiro, no entanto, não é de José de Alencar, mas de Joaquim Manuel de Macedo. A obra A Moreninha encantou os leitores da época e inspirou gerações, tornando-se novela televisiva no século XX.

A Moreninha

A Moreninha é a primeira obra da prosa romântica brasileira a conquistar o público leitor e se destacar entre os folhetins europeus de sucesso na época.

Esse romance narra a história de amor entre Carolina e Augusto. Este é um jovem conhecido pelas paixões frívolas. Em uma visita à casa da avó de Carolina, na ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro, Augusto é desafiado a se apaixonar e escrever um romance contando a experiência.

Na verdade, Augusto não consegue se envolver seriamente com nenhuma moça por que sente-se preso a uma promessa feita quando ainda era criança a uma menina que conheceu na praia e nunca mais encontrou novamente.

Cena da novela A Moreninha em que a atriz Nívea Maria aparece no papel de Carolina.
A atriz Nívea Maria interpretando Carolina, protagonista de A Moreninha

Ao conhecer Carolina, ele se sente imediatamente atraído pela moça. Ela também se interessa por Augusto. Mas ambos se repelem. Até que, depois de alguns contratempos, descobrem que os dois são as duas crianças da praia que prometeram se casar um com o outro quando crescessem.

E o romance termina com o final feliz em que Carolina e Augusto se entregam ao amor.

José de Alencar

José de Alencar é o grande escritor da prosa romãntica brasileira. Ele escreveu várias obras de temáticas diversas. Alencar tinha a intenção de produzir um painel literário do Brasil através de seus romances.

Suas obras se classificam como: indianistas, urbanas, regionalistas e históricas. Dentre estas, destacam-se as indianistas e as urbanas.

Romances Indianistas

Os romances indianistas têm o índio como protagonista das histórias. Os costumes, as vestimentas e as palavras indígenas são levadas para o romance, mas o comportamento dessas personagens se parece mais com o de um europeu, de um homem civilizado.

Assim, os personagens indígenas dos romances de Alencar são idealizados, mesmo que tenham a aparência dos americanos originais.

Pintura Índio caçando aves, de Debret
Debret, Índio caçando aves

Outro elemento idealizado e de grande destaque nas obras indianistas de Alencar é a natureza. Esta é exuberante e está sempre em total harmonia com os personagens indígenas.

Dois romances indianistas escritos por José de Alencar se destacam: O Guarani e Iracema.

O Guarani

O Guarani tem como protagonista o índio Peri, último representante da tribo goitacaz que habitou o interior do estado do Rio de Janeiro.

Peri é amigo da família de D. Antônio de Mariz, fidalgo português e personagem histórico que viveu no Brasil no século XVII. Peri ama a filha de D. Antônio, Cecilia, e tem por ela total devoção.

A família do fidalgo acaba se envolvendo em uma briga com a tribo dos aimorés. Essa tribo dominava a região e era muito numerosa. Percebendo que perderia a batalha, D. Antônio entrega a filha a Peri, incumbindo-o de levá-la a salvo para o Rio de Janeiro.

Cena do filme O Guarani em que Márcio Garcia interpreta Peri, protagonista da trama.
Cena do filme O Guarani em que Márcio Garcia interpreta o índio Peri

O Guarani é uma obra de cunho nacionalista que exalta a natureza e o indígena americanos, mas que também demonstra como esse indígena também foi aculturado e conformado à cultura europeia.

Peri gradativamente vai modificando seus costumes para se adequar à família de D. Antônio e ser aceito na casa. Para ficar próximo de Cecília e a proteger, ele abdica até mesmo de suas crenças religiosas.

O Guarani foi publicado em capítulo nos folhetins da época e alcançou grande sucesso. Os leitores, inclusive, escreviam para o jornal dando conselhos ao escritor de como a história deveria ser conduzida.

Iracema – Lenda do Ceará

Outro romance indianista de grande sucesso e que figura entre as grandes obras da prosa romântica brasileira é Iracema.

Esta obra traz como tema central o encontro entre o europeu e o americano e mostra, através da história de amor entre Iracema e Martim, como se deu o processo de colonização da América.

Nesse sentido, é possível afirmar que Iracema é um romance alegórico em que a índia representa a América virgem e Martim, o colonizador português.

O encontro entre os dois protagonistas da obra se dá quando a moça está tomando no rio. Martim está escondido admirando Iracema no rio. Ela escuta um barulho vindo dos arbustos próximos e atira contra eles a sua flecha.

Atinge o ombro de Martim que sai do mato pronto para revidar, mas se arrepende ao olhar para Iracema. Esta imagina estar vendo um deus, pois nunca havia visto um homem branco antes.

Propõe, então, quebrar com ele  a flecha da paz e levá-lo para a sua tribo e tratar o ferimento. Martim aceita e passa alguns dias na casa de Iracema, o suficiente para o amor nascer entre eles e tornar-se muito forte.

Mulher indígena, possível representação da índia Iracema, do romance romântico brasileiro de José de Alencar

Iracema não podia se casar, era filha do sacerdote e guardava um segredo precioso da tribo: o segredo da jurema. A jurema era uma bebida alucinógena que só poderia ser tomada pelo sacerdote durante os rituais religiosos.

Martim se recupera do ferimento e deve ir embora da tribo. Na noite anterior a sua partida, Iracema comete uma grave transgressão: dá ao soldado a bebida sagrada para que ele sonhe com ela e deita-se com ele na rede.

No dia seguinte, Martim percebe que tudo o que sonhou viver com a índia tinha se tornado realidade durante a noite e que agora ela era sua mulher. Os dois precisam, então, fugir da tribo que se revolta contra eles.

O casal vai viver na praia e logo Iracema fica grávida. A princípio, estão felizes mas Martim começa a ficar entediado e decide ir até onde estavam os seus companheiros soldados, deixando a mulher sozinha.

Iracema sente saudades do pai e da tribo e, com a ausência do marido, isso se agrava ainda mais. Ela começa a ficar fraca e entra em trabalho de parto, tendo o filho sozinha com grande dificuldade e muita dor.

Quando Martim regressa, encontra o filho nos braços da índia. Ela lhe entrega o menino que se chama Moacir e significa “filho da dor” e morre logo em seguida.

O soldado parte para Portugal, levando Moacir que, segundo o romance, seria o primeiro brasileiro.

Voltando ao caráter alegórico do livro, o nascimento com grande dor de Moacir, primeiro brasileiro, significa o nascimento de uma nação, a nação brasileira, que se deu com a grande dor do indígenas e a anulação da América original.

Romances urbanos

Os romances urbanos, também chamados romances de costume, de José de Alencar são ambientados na cidade do Rio de Janeiro e mostram como as pessoas da época, principalmente aquelas pertencentes à classe burguesa, viviam e se relacionavam.

Duas obras se destacam: Lucíola e Senhora.

Lucíola

Esse romance tem como inspiração A Dama das Camélias, do escritor francês Alexandre Dumas. A protagonista é Maria da Glória, uma boa moça que, devido a circunstâncias extremas, se tornará Lúcia, a maior prostituta do Rio de Janeiro.

O título do romance se deve a um inseto, uma espécie de mariposa, que vive nas sombras, próximo da lama, mas que brilha no escuro com uma luz muito intensa.

Assim é a protagonista, apesar de sua vida corrompida pela prostituição, guarda dentro de si a luz da bondade que será resgatada pelo amor.

Cena da novela Essas Mulheres, em que Lúcia está em cena
Cena da novela Essas Mulheres

Maria da Glória é uma boa moça que cuida com carinho e afeição do pai e da irmã. A família é muito pobre e passa por dificuldades. Para salvar o pai e a irmã de uma doença, a moça acaba aceitando passar a noite com um homem por dinheiro.

O pai descobre e a expulsa de casa. Maria da Glória vai parar em um prostíbulo e torna-se prostituta. Para não envergonhar a família, ela troca seus documentos com os de uma moça chamada Lúcia que havia morrido.

Assim, Maria da Glória morre e nasce Lúcia. Com o tempo, Lúcia torna-se a cortesã mais cobiçada da cidade. As festas em sua casa tornam-se famosas e ela é adorada por todos.

Mas isso só ocorria à noite. Durante o dia, os mesmos homens que frequentavam sua casa lhe viravam a cara.

Ela, então, conhece Paulo, um jovem estudante, e os dois se apaixonam um pelo outro. O amor pelo rapaz faz com que Lúcia lembre-se de quem ela é a pureza de sua alma emerge.

No entanto, ela não se sente digna desse amor e acaba adoecendo. A doença vai matá-la, mas antes Lúcia se redime e volta a ser Maria da Glória.

Lucíola retrata a hipocrisia da sociedade carioca da época que tolerava a prostituição ao mesmo tempo em que a condenava. O livro demonstra que o amor é capaz de salvar e redimir até a maior das degradações.

Senhora

Senhora narra a história de Aurélia Camargo, uma jovem e bela moça de caráter altivo e justo.

A trama do romance é alinear e o livro começa com Aurélia adentrando os salões cariocas como uma bela jovem, herdeira de uma fortuna. Mas não foi sempre assim.

Aurélia nasce pobre, filha de uma costureira, e mora numa casinha simples no subúrbio. E é assim que ela conhece Fernando Seixas, um belo e ambicioso rapaz.

Fernando Seixas é um homem pobre, mas que gosta de frequentar a sociedade. Para isso, gasta mais do que pode e acaba endividado.

Os dois se apaixonam, mas Fernando recebe uma proposta para tornar-se noivo de Adelaide Amaral, uma jovem rica. Pensando no dote que receberia da família da moça rica, Fernando abandona Aurélia e se compromete com Adelaide.

Algum tempo depois, Aurélia descobre que tinha um avô muito rico e que este lhe deixou uma grande fortuna. Ela, então, decide se vingar de Fernando, mandando que seu tutor lhe faça uma proposta tentadora.

Ele receberia um dote muito mais alto do que o oferecido pela família de Adelaide, mas só poderia saber quem era a noite no dia do casamento.

Fernando aceita e o casamento acontece. O rapaz fica contentíssimo ao descobrir que a noiva era Aurélia. Mas é aí que começa o seu calvário. Aurélia o despreza e o condena a ser um mero traste que ela apresentaria à sociedade como marido.

Noite de núpcias de Aurélia e Fernando na novela Essas Mulheres.
Cena da noite de núpcias de Aurélia de Fernando na novela Essas Mulheres

Fernando, humilhado e envergonhado, começa a perceber o seu erro. Passa, então, a trabalhar dobrado para pagar a Aurélia o dinheiro que recebera pelo casamento e que usou para pagar dívidas.

Quando consegue reunir a quantia, procura a esposa e pede o divórcio. Nesse momento, Aurélia se atira aos pés do marido e lhe pede perdão, oferecendo-lhe toda a sua fortuna.

Então, os dois se declaram um para o outro e a noite de núpcias finalmente acontece.

Assista abaixo à cena do casamento entre Aurélia Camargo e Fernando Seixas na novela Essas Mulheres.

Resumindo…

  • A prosa romântica brasileira iniciou-se com os folhetins, cadernos voltados para a produção cultural da época que eram publicados periodicamente nos jornais.
  • O primeiro folhetim brasileiro de sucesso foi A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo.
  • O grande escritor da prosa romântica brasileira é José de Alencar.
  • Alencar produziu romances indianistas, urbanos, regionalistas e históricos.
  • Dentre os romances indianistas, estão O Guarani e Iracema.
  • O Guarani é a história de um índio chamado Peri que, para se aproximar e proteger sua amada Cecília e sua família, vai gradativamente abandonando a cultura indígena e abraçando a cultura portuguesa. A obra representa o processo de aculturação do indígena e tem como tema a colonização do Brasil.
  • Iracema é uma alegoria do processo de formação da nação brasileira. O livro conta a história de amor entre a índia tabajara Iracema e o soldado português Martim. Para viver seu amor por Martim, Iracema precisa abandonar sua função como sacerdotisa dos tabajaras e também a própria tribo. Ao dar à luz ao primeiro brasileiro, seu filho Moacir, Iracema morre. E o menino é levado por Martim para ser criado na Europa.
  • Outros dois romances de Alencar se destacam. São os romances urbanos Lucíola e Senhora.
  • Lucíola conta a história de uma moça boa e pura, chamada Maria da Glória, que é corrompida pelas circunstâncias e se torna Lúcia, a prostituta mais cobiçada da cidade do Rio de Janeiro. Mas Lúcia conhece Paulo e os dois se apaixonam um pelo outro. O amor por Paulo redime Lúcia, trazendo a sua bondade e pureza originais à tona. Mas a culpa e a vergonha por todo o tempo que viveu na prostituição adoecem a moça e ela acaba morrendo.
  • Senhora narra a história de Aurélia Camargo, uma moça pobre que é abandonada por Fernando Seixas que a troca por Adelaide Amaral, uma moça rica. Mas Aurélia recebe uma herança, tornando-se muito rica. Ela, então, oferece a Fernando uma alta quantia para desfazer o compromisso com Adelaide e se casar com ela. Fernando aceita. Os dois se casam e Aurélia passa a humilhá-lo de várias formas. Fernando percebe o seu erro e, depois de muito aborrecimento, pede a anulação do casamento, reconhecendo todos os seus maus atos. Aurélia o perdoa e também pede perdão. Os dois, então, se declaram um para o outro e o casamento acontece de fato com o casal terminando junto e feliz.

Conclusão

Muitos foram os autores importantes desse período, como Castro Alves e José de Alencar. Muitas obras valiosas também foram produzidas. Dentre elas, Navio Negreiro e Iracema marcaram positivamente a literatura do período.

O Romantismo, como estilo de época, terminou em 1881, com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, obra que inaugurou o Realismo no Brasil.

No entanto, o Romantismo nunca morreu. Ele continua vivo nas obras produzidas ainda hoje, nas músicas, filmes, livros, que fazem grande sucesso e alcançam o grande público.

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