O Romantismo inicia-se no Brasil em 1836 com a publicação de Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves de Magalhães.
Essa obra, embora ainda marcada pela contenção emocional característica da poesia clássica, anuncia já, em alguns aspectos, a poesia romântica que seria produzida no período.
O estilo romântico no Brasil manifestou-se com excelência tanto na poesia quanto na prosa. Esse período foi marcado pelo surgimento de grandes poetas e também de grandes prosadores.
A Poesia Romântica no Brasil
A poesia romântica brasileira apresenta três fases, ou gerações, cada uma delas com características de destaque.
1º Geração da Poesia Romântica Brasileira
A 1º Geração Romântica foi marcada pela idealização do indígena, colocado como protagonista dos poemas, e a presença marcante da natureza que, mais do que um cenário para as obras, é quase um personagem dos textos.
Por isso a 1ª Geração é também chamada de Geração Indianista. O principal escritor do período indianista da poesia brasileira é Gonçalves Dias.
Gonçalves Dias
A poesia indianista tem como protagonista o índio e traz as características e a cultura indígena como temas das obras. É o que podemos identificar em poemas como I-Juca Pirama e Marabá.
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos d’espinhos
Chegamos aqui!
O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu’ria morrer!
(...)
Gonçalves Dias. I-Juca Pirama. Canto IV.
I-Juca Pirama narra, em versos, a história de um guerreiro timbira que caminha sozinho pela mata, carregando seu velho pai cego. Em certo momento, o guerreiro deixa o pai descansando em uma sombra e vai buscar água no rio.
Mas é surpreendido por guerreiros de uma tribo inimiga e capturado. Levado diante do sacerdote, este decide que o rapaz será morto em um ritual antropofágico.
As tribos indígenas da época acreditavam que, ao beber o sangue e comer a carne de um guerreiro inimigo, absorviam para si toda a sua coragem e força.
É dado, então, ao guerreiro o direito de dizer suas últimas palavras e, conforme transcrevemos acima, ele se apresenta à tribo e pede para que o cacique o libere para ir até onde tinha deixado seu pai.
Mas o cacique e toda a tribo entendem que ele está fugindo da morte e o libertam. O rapaz vai até onde está o pai que o aguarda. Este sente o cheiro da tinta do ritual indígena e entende tudo.
O pai rejeita o filho, julgando-o covarde, pois teve medo da morte. Os dois, então, retornam à tribo inimiga e, quando o pai está se desculpando com o cacique, o filho se atira numa luta feroz contra os guerreiros inimigos para provar sua coragem.
O rapaz é morto pela tribo e seu corpo é reverenciado através do ritual antropofágico. O pai passa a ser cuidado pela tribo até a sua morte.
Eu vivo sozinha; ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá?
Se algum dentre os homens de mim não se esconde,
— Tu és, me responde,
— Tu és Marabá!
— Meus olhos são garços, são cor das safiras,
— Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
— Imitam as nuvens de um céu anilado,
— As cores imitam das vagas do mar!
(...)
— É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
— Da cor das areias batidas do mar;
— As aves mais brancas, as conchas mais puras
— Não têm mais alvura, não têm mais brilhar. —
(...)
Jamais um guerreiro da minha arazóia
Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Que sou Marabá!
Gonçalves Dias. Últimos Cantos. Marabá.
O poema Marabá narra a infelicidade de uma índia que nasceu branca e é recusada pelos homens da tribo. A moça chora sua infelicidade em viver solitária e por jamais poder se casar, uma vez que sua aparência é motivo de recusa por parte dos guerreiros.
Além do Indianismo, Gonçalves Dias também escreveu poesia amorosa em que a contenção dos sentimentos, resquício da poesia clássica, ainda vigora. Ainda assim, o poeta compôs versos belíssimos que enaltecem o amor e a mulher amada.
Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração – abertos
Ao grande, ao belo, é ser capaz d’extremos,
D’altas virtudes, té capaz de crimes!
Sentir, sem que se veja, a quem se adora,
Compreender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,
Segui-la, sem poder fitar seus olhos,
Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
E, temendo roçar os seus vestidos,
Arder por afogá-la em mil abraços:
Isso é amor, e desse amor se morre!
Gonçalves Dias
É também de Gonçalves Dias um dos poemas mais famosos da poesia romântica brasileira: Canção do Exílio.
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Gonçalves Dias. Primeiros Cantos. Canção do Exílio.
O poeta escreveu esses versos quando estava estudando em Coimbra, Portugal. Tomado de saudades da terra natal, Gonçalves Dias enaltece a natureza brasileira e clama a Deus para que possa voltar a vê-la.
Canção do Exílio é considerado um exemplo do nacionalismo que marca a 1ª Geração Romântica, a tal ponto que parte de seus versos foram transcritos para a letra do Hino Nacional.
2ª Geração da Poesia Romântica Brasileira
A 2ª Geração da Poesia Romântica caracteriza-se pelo excesso de sentimentalismo, pessimismo e escapismo.
Essa geração é conhecida como byroniana, devido à influência da obra do poeta inglês Lord Byron. Esse poeta produziu poemas marcados pela melancolia, pelo sofrimento amoroso e pela morbidez.
O excesso de sentimentalismo e o pessimismo exagerado que leva ao escapismo e ao desejo de morte. Devido a essas características, a 2ª Geração é chamada também de Ultrarromântica.
Dois poetas brasileiros se destacaram na 2ª Geração do Romantismo: Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu. Este último é muito conhecido pela saudade da infância, a religiosidade e o amor platônico. Sobre o primeiro, falaremos com mais detalhes a seguir.
Álvares de Azevedo
Álvares de Azevedo, embora tenha tido uma vida curta, produziu uma obra de grande valor que abrange poesia, teatro e prosa.
Sua poesia está reunida no livro Lira dos Vinte Anos. Essa obra apresenta poemas de cunho claramente romântico, marcados pelo pessimismo, egocentrismo, angústia e sofrimento, e escapismo. Como podemos observar no poema “Adeus, meus sonhos”, transcrito abaixo.
Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh’alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus? Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!
Álvares de Azevedo. Obras Completas.
E também poemas de ordem satírica em que o sujeito-lírico ri de si mesmo e do próprio Romantismo. Um exemplo dessa vertente de Álvares de Azevedo é o poema “É ela! É ela! É ela! É ela!”.
É ela! é ela! — murmurei tremendo,
e o eco ao longe murmurou — é ela!
Eu a vi... minha fada aérea e pura —
a minha lavadeira na janela.
Dessas águas furtadas onde eu moro
eu a vejo estendendo no telhado
os vestidos de chita, as saias brancas;
eu a vejo e suspiro enamorado!
Esta noite eu ousei mais atrevido,
nas telhas que estalavam nos meus passos,
ir espiar seu venturoso sono,
vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
Como dormia! que profundo sono!...
Tinha na mão o ferro do engomado...
Como roncava maviosa e pura!...
Quase caí na rua desmaiado!
(...)
É ela! é ela! — repeti tremendo;
mas cantou nesse instante uma coruja...
Abri cioso a página secreta...
Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!
Mas se Werther morreu por ver Carlota
Dando pão com manteiga às criancinhas,
Se achou-a assim tão bela... eu mais te adoro
Sonhando-te a lavar as camisinhas!
É ela! é ela, meu amor, minh'alma,
A Laura, a Beatriz que o céu revela...
É ela! é ela! — murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou — é ela!
Álvares de Azevedo. Lira dos Vinte Anos.
Álvares de Azevedo também produziu uma peça de teatro entitulada Macário em que um jovem estudante chega à cidade de São Paulo e é apresentado ao submundo da cidade por um anfitrião igualmente sombrio de nome Satã.
E também o livro de contos Noite na Taverna, obra de cunho fantástico em que um grupo de jovens, após uma noite de bebedeira, entediados, resolvem contar histórias macabras uns para os outros.
Essa é a obra mais próxima das características byronianas por apelar para o erotismo e a morbidez durante toda a narrativa.
Leia também este artigo sobre o Romantismo, seu contexto e características.
3ª Geração da Poesia Romântica Brasileira
A 3ª Geração do Romantismo no Brasil tem como nome de maior destaque o poeta Castro Alves. Essa geração é caracterizada por apresentar poemas em que o amor é mais carnal e vivido e também por voltar-se para os problemas sociais, principalmente a escravidão.
A poesia desse período tem influência das obras do escritor francês Victor Hugo e é chamada de Geração Condoreira.
Castro Alves
A poesia de Castro Alves é marcada pela eloquência, ou seja, pelo tom exclamatório e de discurso, principalmente ao tratar de temas como a abolição da escravatura ou a proclamação da República.
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Castro Alves. Os Escravos.
É também uma poesia sensual ao falar do amor, um sentimento vivido e experimentado. Castro Alves viveu uma forte paixão por Eugênia Câmara, atriz de teatro, que o levou a acompanhá-la em suas turnês por alguns anos.
Boa-noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa-noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa-noite!... E tu dizes — Boa-noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não mo digas descobrindo o peito
— Mar de amor onde vagam meus desejos.
Julieta do céu! Ouve... a calhandra
Já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira...
... Quem cantou foi teu hálito, divina!
Se à estrela-d'alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d'alvorada:
"É noite ainda em teu cabelo preto..."
E noite ainda! Brilha na cambraia
— Desmanchado o roupão, a espádua nua —
O globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua...
Castro Alves. Espumas Flutuantes.
Resumindo…
O Romantismo brasileiro tem muitos aspectos relevantes. Os principais são:
- O Romantismo teve seu ápice na primeira metade do século XIX e se caracteriza basicamente pela subjetividade, o individualismo, o sentimentalismo e o nacionalismo.
- No Brasil, o Romantismo iniciou-se no ano de 1836 com a publicação de Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves de Magalhães.
- O Romantismo brasileiro produziu obras importantes tanto em prosa quanto em verso.
- A Poesia Romântica brasileira apresenta três gerações: a Indianista, a Byroniana ou Ultrarromântica e a Condoreira.
- A poesia indianista tem como principal autor o poeta Gonçalves Dias. Sua poesia se caracteriza por ter o índio como protagonista e exaltar a natureza brasileira. Além disso, o poeta produziu belos poemas de amor em que expressa os sentimentos de forma contida.
- A poesia byroniana tem como principal autor o poeta Álvares de Azevedo. Sua poesia é marcada pelo pessimismo, pelo egocentrismo e pelo desejo de morte. A mulher, nos poemas de Álvares de Azevedo, é distante e inalcançável, quase uma santa, uma mulher de sonho, irreal. Esse autor também produziu uma obra teatral, chamada Macário, e um livro de contos, entitulado Noite na Taverna.
- A poesia condoreira tem como principal autor o poeta Castro Alves. Sua poesia caracteriza-se pela expressão de um amor sensual por uma mulher real, ou seja, um amor experimentado e vivido. Castro Alves também produziu poesia de cunho social em que criticou, principalmente, a escravidão que ainda vigorava na época. Dentre a poesia produzida com esse tema, está Navio Negreiro, uma de suas obras mais conhecidas.
Conclusão
O Romantismo é um estilo literário marcado pelo excesso de sentimentos, em que o amor é enaltecido como o sentimento mais sublime de todos e capaz de redimir e salvar.
Além disso, esse estilo é também marcado pela idealização, pelo nacionalismo, pelo individualismo, pelo pessimismo e pela criatividade.
O nacionalismo romântico foi determinante no Brasil para criar um sentimento de nação, de pátria no espírito dos brasileiros da época. O país tinha acabado de se tornar independente de Portugal e precisava criar um sentimento de amor à pátria.
A poesia romântica brasileira desenvolveu-se em três momentos ou gerações, com características próprias e autores e obras que se destacaram. Dentre esses autores, estão três grandes nomes da literatura brasileira: Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo e Castro Alves.
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