O livro Lucíola é um dos romances urbanos mais conhecidos de José de Alencar. A obra faz parte da série “Perfis de mulheres” do autor, junto com os romances Senhora e Diva.
Publicado em 1862, essa obra do Romantismo brasileiro narra a história da mais famosa e desejada cortesã da cidade do Rio de Janeiro. Seu nome era Lúcia e sua beleza e capacidade de sedução a precediam nas rodas masculinas da época.
Lúcia também era muito rica e morava em uma bela casa. À noite, recebia os clientes em festas escandalosas que lhe davam a fama de devassa. Durante o dia, ao passar pelas ruas, um desavisado veria nela apenas uma bela e inocente moça.
É o que acontece a Paulo, narrador do livro e jovem estudante que chega ao Rio vindo de Olinda. Em um passeio pelas ruas da cidade, ele vê Lúcia em um carro e diz ao amigo Sá, que caminha por ali com ele:
“Que linda menina! Como deve ser pura a alma que mora naquele rosto!”
A “menina” em questão é realmente linda e tem a aparência de um anjo (descrição bem propícia ao Romantismo). No entanto, à noite, é a prostituta mais atrevida e interesseira das festas da cidade.
Assim, podemos perceber que Lúcia é uma personagem ambígua, ora doce e bondosa, ora amante do dinheiro e da luxúria. E é dessa forma que vive até conhecer Paulo e se apaixonar por ele.
Aspectos importantes do romance Lucíola
Ao estudarmos um romance, enquanto gênero textual e literário, é importante observarmos os elementos que compõem a narrativa, como o narrador, o foco narrativo, o enredo e as personagens de destaque.
Narrador
O narrador de Lucíola é Paulo, um jovem estudante que se muda de Olinda para o Rio de Janeiro. Ele fica impressionado com a beleza de Lúcia desde o primeiro momento em que a vê e, mais tarde, apaixona-se por ela.
Paulo conta a história de seu amor por Lúcia através de cartas endereçadas a uma senhora, chamada apenas de G. M. Essa senhora, posteriormente, reuniria essas cartas e as publicaria em forma de romance.
Foco narrativo
O foco narrativo do romance é a primeira pessoa, uma vez que a história é narrada por Paulo, personagem protagonista da obra. Todo o tempo, esse narrador concentra-se em descrever a beleza de Lúcia e a intensidade de seu amor por ela.
Enredo
O enredo de Lucíola concentra-se na paixão de Paulo e Lúcia. O narrador descreve o momento em que a vê, pela primeira vez, e depois o seu encontro com ele em uma festa. É nessa festa que ele descobre, por um amigo, que a moça é uma prostituta.
Paulo passa a visitar constantemente a cortesã em sua casa e os dois passam a dormir juntos. A relação sexual dos dois faz com que Lúcia passe a desprezar o rapaz, vendo-o como mais um de seus clientes.
No entanto, com o passar do tempo, ela percebe a pureza das intenções de Paulo e conta a ele sua história e como tornou-se prostituta. Isso aproxima muito os dois e Lúcia descobre estar também apaixonada pelo rapaz.
O passado de Lúcia
Lúcia, na verdade, chamava-se Maria da Glória. Pertencia a uma família humilde, mas digna. Infelizmente, toda a sua família foi acometida pela epidemia de febre amarela que assolou a cidade do Rio de Janeiro em 1850, atingindo um terço da população.
De todos de sua família, foi a única a não adoecer e passou a cuidar dos pais e da irmã. A família de Lúcia tinha poucos recursos e, logo, começaram a faltar alimentos e remédios.
Para salvá-los, a moça entrega-se a um homem chamado Couto, que lhe ajuda a comprar os suprimentos necessários. O pai e sua irmã mais nova conseguem se recuperar. No entanto, ao descobrir o que a moça tinha feito para cuidar da família, ele a expulsa de casa.
Rejeitada pelos seus, com a honra perdida, só sobre a ela procurar a casa de prostituição da cidade. Lá, aprende tudo o que precisa para se tornar a melhor cortesã do lugar. Mas, antes, troca de nome, passando a se chamar Lúcia.
Logo, faz grande fama e alcança os melhores clientes, exige sempre os melhores presentes e enriquece. Após uma longa viagem pela Europa, acompanhando um homem muito rico, ela retorna ao Rio e descobre que o pai morreu.
Encontra irmã, Ana, e a coloca para estudar em um colégio interno.
Uma cortesã pode amar?
Após contar para Paulo toda a sua história, Lúcia se sente muito próxima dele. Percebe que o ama e passa a rejeitar qualquer outro parceiro. Abandona a prostituição e muda-se para uma casinha em Santa Tereza.
Ali vive feliz ao lado de Paulo. Traz sua irmã Ana para morar com eles e formam uma verdadeira família. Lúcia, então, engravida. O peso de sua vida pregressa, todos os amantes, as festas regadas a vinho e devassidão, tudo isso começa a incomodá-la profundamente.
Em seu íntimo, Lúcia entende não ser merecedora da posição de mãe e esposa. Logo, adoece e o bebê que carrega morre em seu útero. Paulo implora a ela para que faça um aborto, mas Lúcia não permite, morrendo de tétano.
Antes de morrer, ela pede a Paulo que se case com Ana e a proteja. A princípio, ele se nega e passa a cuidar da menina como se fosse um pai. Mas, alguns anos depois, casa-se com ela, fazendo a vontade de Lúcia, a mulher que amaria por toda a sua vida.
Personagens de destaque
Lúcia/Maria da Glória
É uma mulher de origem pobre, muito bonita e, a princípio, de espírito meigo e delicado. Ao ser expulsa de casa e tornar-se prostituta, torna-se impetuosa e sedutora, amiga do dinheiro e do poder.
É uma personagem ambígua. Os nomes dados a ela pelo autor já apontam para isso. Maria da Glória remete à santa a que era devota e a aproxima da personalidade bondosa e altruísta do começo de sua jornada.
Já Lúcia faz alusão a luz, a evidência, algo que ela ganhou com a fama de cortesã. E também a Lúcifer, anjo de luz que, segundo a Bíblia, foi expulso do céu após uma rebelião contra Deus. No caso da moça, ao ser expulsa de casa, ela entregou-se à devassidão e à luxúria, estados frequentemente atribuídos ao ser bíblico.
Paulo
Jovem estudante, idealista e apaixonado por Lúcia. Rende a ela um amor puro e verdadeiro. É esse sentimento que redime a cortesã, fazendo-a trazer de volta sua essência doce e gentil.
Ana
Irmã mais nova de Lúcia, em quem esta deposita as esperanças de redenção da família. A cortesã coloca a menina para estudar em um colégio interno de renome. Assim, poderá ter a devida educação e fazer um bom casamento.
Outras personagens
Sá
Amigo próximo de Paulo. É quem apresenta o rapaz para Lúcia.
Couto
Homem rico e de má índole que se aproveita da fragilidade da protagonista diante da doença e das necessidades de sua família para obter dela favores sexuais.
Laura
Também prostituta, trabalha com Lúcia, mas não gosta dela.
Nina
Outra prostituta que trabalha com Lúcia e a inveja.
Cunha
Homem com quem Lúcia tem um caso antes da chegada de Paulo.
A influência de A dama das camélias
É inegável a influência de A dama das camélias, do escritor francês Alexandre Dumas, em Lucíola.
O enredo do romance de Alencar tem muitas semelhanças com a obra de Dumas. Ambas as protagonistas são mulheres belas que caem, por circunstâncias do destino, na vida de prostituição.
Também ambas encontram o amor nos braços de um bom e jovem rapaz que as liberta da vida devassa. Ainda assim, tanto Lúcia quanto Marguerite sucubem fisicamente à culpa e ao peso de seu passado como cortesãs.
Mesmo que ambas as histórias ocorram no século XIX, o que as diferencia é o contexto. Tanto A dama das camélias quanto Lucíola são romances de costume e, por isso, retratam a sociedade em que as histórias se passam.
Enquanto o romance de Dumas se passa em Paris durante um período de grandes transformações sociais e econômicas, o livro de Alencar mostra as relações de aparências e de interesse em que se fundamentava a sociedade do Rio de Janeiro.
A influência de Lucíola em obras contemporâneas
Foi muito comum, no decorrer do século XX, com o advento da televisão, que muitas das histórias de amor narradas nos folhetins, os romances românticos do século XIX, fossem matéria para as novelas televisivas.
Assim, os romances de José de Alencar, principalmente os urbanos, foram adaptados para a TV. É o caso de Senhora, de Diva e de Lucíola. Os chamados “perfis de mulher” foram, inclusive, reunidos em uma única novela, da Rede Record, chamada Essas mulheres, em 2005, alcançando grande sucesso.
Outra novela que inspirou-se em Lucíola para retratar uma protagonista cortesã que se apaixona por um jovem estudante é A força de um desejo, da Rede Globo.
Recentemente, um livro de enorme sucesso no Brasil, Tudo é rio, de Carla Madeira, tem como uma das personagens centrais da trama a prostituta Lucy. Esta tem algumas semelhanças interessantes, além do nome, com a personagem de Alencar.
Ainda que Lucy escolha a vida de prostituição e não sinta culpa alguma, ao encontrar-se, ainda que rapidamente, com o amor e a bondade, sente a força e o impacto disso. A personagem, inclusive, como Lúcia, também engravida.
No caso de Lucy, o bebê nasce, mas é entregue para ser criado por outra mulher.
Conclusão
Lucíola é um típico romance romântico e uma das obras mais famosas da Literatura Brasileira. Uma obra que retrata os costumes cariocas do Segundo Reinado e faz uma crítica, ainda que velada, às relações de poder e de interesse da sociedade carioca do século XIX.
O romance aborda também um tema visto sempre com reservas, a prostituição. E demonstra como uma mulher, ainda que boa e gentil, pode se deixar corromper por pressões econômicas e sociais.
No final, o amor sai vencedor, como sempre acontece nas histórias do Romantismo. Apesar de a heroína do romance ter pagado com a morte por toda a devassidão em que esteve imersa.
Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.
