A literatura e o meio ambiente, pelo menos no que se refere ao Brasil, sempre tiveram uma forte relação.
Desde os escritores e poetas do Romantismo até as obras contemporâneas de nossa Literatura, encontramos inúmeras referências à natureza brasileira. Referências essas que descrevem e enaltecem nossa terra e o meio ambiente ao nosso redor.
Junho é o mês do meio ambiente e é uma boa oportunidade para refletirmos sobre a importância de preservarmos a natureza e a admirarmos. E, sabendo que a arte é sempre um bom meio para pensarmos o mundo, é bom buscarmos na literatura referências que contribuam para a reflexão sobre a importância do meio ambiente.
Propomos aqui olharmos para o tema sob dois aspectos. O primeiro de alerta e denúncia e o segundo de admiração e louvor. Para isso, usaremos como referência o romance Vidas secas, do mestre Graciliano Ramos, e a antologia Memórias inventadas, do poeta Manoel de Barros.
Vidas secas, de Graciliano Ramos e o meio inóspito
Há certas situações em que o meio ambiente pode ser um potente antagonista. Assim é em Vidas secas, romance escrito por Graciliano Ramos em 1938. O livro narra a saga de uma família de retirantes em meio à seca do sertão nordestino.
A narrativa se inicia com os retirantes no meio da caatinga seguindo o leito do rio seco. Estão famintos e exaustos, debaixo do calor de um sol impiedoso. O ambiente é o antagonista contra o qual a família luta em busca da sobrevivência.
“Na planície avermelhada, os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas”.
Essa família é composta por seis viventes. Fabiano é o chefe da família. É casado com Sinhá Vitória. Eles têm dois filhos, que não têm nomes no livro e são chamados simplesmente por Menino mais velho e Menino mais novo. Ainda fazem parte do grupo a cachorra Baleia e o papagaio.
Este último, diante da fome extrema, é sacrificado logo nas primeiras páginas para alimentar o restante da família.
Além do meio natural que traz tantas dificuldades para as personagens, há ainda o meio social. A dificuldade de comunicação gera também problemas para Fabiano e sua família, como os desentendimentos dele com o dono de uma fazenda em que trabalha ou o Soldado Amarelo que o leva para a cadeia.
Além disso, o livro denuncia o descaso do governo em relação às questões com que lidam os moradores do sertão. A seca no Nordeste foi por muito tempo pauta dos governos que se sucederam no poder sem que realmente algo de concreto e eficiente fosse feito para sanar o problema.
Hoje, com a transposição do Rio São Francisco, áreas áridas estão sendo irrigadas e as condições de vida nessas regiões estão melhorando. Mesmo assim, ainda há muito a se fazer e lugares como o cenário do romance de Graciliano Ramos ainda persistem e não são poucos.
Vidas secas é, portanto, uma denúncia das mazelas geradas pela seca nordestina e continua muito atual.
Depois de pensarmos um pouco, então, sobre esse livro que tem o meio ambiente como antagonista da trama, vejamos a seguir uma obra que traz à cena uma natureza muito mais amiga e familiar.
Memórias inventadas, de Manoel de Barros e a natureza presente
A coletânea de texto poéticos de Manoel de Barros, Memórias inventadas, é um elogio à memória e à natureza.
Seus poemas falam sobre experiências da juventude e meninice, de vivências cotidianas, de pessoas que passaram por sua vida. Essas memórias são permeadas a todo tempo pela natureza, pelo meio a sua volta, o mato, o rio, os pássaros, as árvores…
Os textos de Manoel de Barros são puro encantamento. A magia está na simplicidade e na pureza com que descreve o ambiente, com que traz à cena o meio no qual viveu, seja o interior de Mato Grosso, estado onde nasceu; seja o bairro onde morou na época em que cursou Direito no Rio de Janeiro.
De qualquer forma, a obra de Manoel de Barros dá à natureza, de forma muito clara e direta, a evidência necessária para nos encantarmos e nos identificarmos com suas expressões e versos de louvor a ela.
Como acontece no trecho transcrito abaixo:
“Quem é quando criança a natureza nos mistura com as suas árvores, com as suas águas, com o olho azul do céu. Por tudo isso que eu não gostasse de botar data na existência”.
Ou nesse outro trecho, do poema “Desobjeto”:
“O menino que era esquerdo e tinha cacoeta para poeta justamente ele enxergara o pente naquele estado terminal. E o menino deu para imaginar que o pente, naquele estado, já estaria incorporado à natureza, como um rio, um osso, um lagarto. Eu acho que as árvores colaboravam na solidão daquele pente”.
Concluindo, a literatura pode nos aproximar do meio ambiente tanto para refletirmos sobre os problemas que o envolvem quanto para nos encantarmos com sua presença e sua beleza. O fato é que precisamos conviver com esse meio e que esse meio seja saudável. E, infelizmente, nem sempre isso é possível.
Mesmo assim, nossa natureza exuberante e generosa ainda persiste e nos brinda todos os dias com sua beleza. Que possamos observá-la com os olhos dos poetas e escritores. Para louvá-la e protegê-la. Para reconhecer sua importância e preservá-la.