Clarice Lispector nos brindou com muitos contos preciosos. Felicidade clandestina é um deles.
O texto fica no limite entre a crônica e o conto. Foi inicialmente publicado em uma coluna de crônicas que Clarice assinava no Jornal do Brasil. Mas é uma memória de sua adolescência em Recife. E, por ser uma narrativa curta, pode também ser classificado como conto.
Narrado em 1ª pessoa, o conto nos fala sobre o prazer de uma menina em ler uma das obras famosas da nossa literatura infantil: Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Mas, para conseguir isso, ela teve que passar por algumas dificuldades.
Mais precisamente dificuldades causadas por uma outra menina, uma colega que era o seu oposto fisicamente e também no gosto pela leitura. A menina em questão era filha do dono de uma livraria. Era rica e mimada. E também rancorosa.
Clarice nos diz que a colega não gostava de meninas magras e bonitinhas pois eram o oposto dela. E, ao perceber que a narradora queria muito ler o livro de Lobato, diz como que por acaso que o tem e que o emprestaria para Clarice.
Mas, quando, no dia seguinte, a menina vai à casa da filha do dono de livraria para pegar o livro, não o consegue. E continua assim por vários dias. Sempre que Clarice chegava à casa em busca do tão desejado Reinações de Narizinho, a colega lhe dizia que o havia emprestado a outra menina.
Na verdade, a colega não tinha emprestado o livro para ninguém. Simplesmente enrolava Clarice pelo prazer de vê-la implorar pelo livro.
O sofrimento só termina quando a mãe da colega de Clarice descobre o que está acontecendo. Chocada com a maldade da filha, ordena que ela empreste o livro à narradora. E diz a Clarice que ela pode ficar com a obra pelo tempo que quiser.
Clarice, então, vai para casa em êxtase com o livro nos braços. E, ao chegar, adia o prazer de lê-lo só para degustar um pouco mais a boa sensação de finalmente tê-lo.
É nesse momento que Clarice nos faz pensar sobre o conceito de “felicidade”. Esse sentimento raro e valioso é passageiro. Como algo clandestino, a felicidade não pode ser nossa por muito tempo e é preciso valorizá-la e aproveitá-la ao máximo.
O conto termina com uma das frases impactantes que são bem características da autora:
“Não era mais uma menina com um livro, era uma mulher com o seu amante”.
Comparar o livro a um amante nos dá a medida da felicidade para Clarice. Algo que se deseja muito e se tem por um curto e precioso período, uma felicidade clandestina.
O conto Felicidade clandestina foi publicado em uma coletânea de contos de mesmo título. Esse livro reúne textos valiosos da autora como Uma amizade sincera, por exemplo. Leia o conto na íntegra aqui.