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E se as Escolas Literárias fossem explicadas por filmes famosos?

E se as escolas literárias fossem filmes de Hollywood? Será que dá pra comparar e explicar os movimentos artísticos através de filmes famosos?

Entender e guardar as características de cada estilo da Literatura e das Artes pode ser bem complicado às vezes. São muitas escolas, muitos autores e muitas obras. E saber distinguir um movimento de outro pode ser difícil.

Então, resolvemos fazer uma comparação divertida para ajudar nesse processo. Vamos, neste artigo, relacionar os movimentos artísticos, ocorridos desde o século XII, a filmes famosos do cinema americano.

Assim, por exemplo, imagine o Barroco como um filme. Talvez um drama intenso, com dilemas internos, luz e sombra… Tipo o Cisne Negro. Ou o Romantismo representado em um enorme navio afundando e levando consigo lágrimas e paixão, como em Titanic.

Pois bem, vejamos isso mais detalhadamente nos tópicos a seguir.

1. Trovadorismo e o Coração de um verdadeiro Cavaleiro

As cantigas trovadorescas líricas, de amor e de amigo, idealizavam o amor e levavam os ouvintes a suspirarem enlevados pelos belos versos dos trovadores. Assim também ocorria com as novelas de cavalaria, com todo o heroísmo dos cavaleiros e a beleza e doçura de suas donzelas.

Muitos foram os filmes produzidos pelo cinema que retratam o contexto medieval. Um deles é Coração de Cavaleiro, em que, de forma irônica e carregada de elementos contemporâneos, o ideário trovadoresco é apresentado.

Cena do filme Coração de Cavaleiro, em que William luta em uma justa
Filme Coração de Cavaleiro, dirigido por Brian Helgeland e estrelado por Heath Ledger (2001)

O enredo tem como protagonista o jovem camponês e escudeiro William que toma o lugar do nobre para quem trabalhava em um torneio. Percebendo que poderia mudar de vida, William, ajudado por dois amigos e um escritor, se passa por um cavaleiro e participa de várias competições.

Em meio a essa aventura, o rapaz encontrará o amor de uma bela donzela e fará um inimigo poderoso. Também terá que dominar as artes cortesãs, ou seja, escrever versos delicados dedicados a sua dama e dançar com ela em um baile.

Assista Coração de Cavaleiro e me diga se não tem a cara do Trovadorismo!

2. Classicismo e quando Shakespeare se apaixona

O Classicismo foi um período marcado pela racionalidade e pela busca da perfeição e da beleza. Foi também o momento de grandes artistas das mais diversas expressões da arte: Michelângelo, Boticelli, Da Vinci, Maquiavel, Shakespeare.

Um filme que pode bem representar esse estilo é Shakespeare Apaixonado. A trama tem como ponto de partida a angústia do jovem William Shakespeare que vive um momento difícil. Ele precisa escrever uma peça, mas não tem nenhuma ideia para o roteiro.

Cena do filme Shakespeare Apaixonado em que Shakespeare e Viola se olham apaixonadamente em um teatro
Filme Shakespeare Apaixonado, dirigido por John Madden e estrelado por
Gwyneth Paltrow e Joseph Fiennes (1998)

É quando se apaixona pela doce Viola, um amor correspondido mas proibido. Em sua busca por viver esse amor e criar sua arte, William enfrenta muitos contratempos e desafios. E o resultado é sua peça teatral mais famosa: Romeu e Julieta!

O trabalho artístico e o amor pela arte, os sentimentos humanos mais elevados, a exaltação da beleza são alguns pontos ressaltados pelo filme e que nos levam a entender melhor o Classicismo.

Shakespeare Apaixonado é uma oportunidade de pensar sobre o Classicismo ao mesmo tempo em que nos divertimos com sua leveza e seus elementos cômicos. Há, inclusive, nesse ponto, algo bastante interessante.

Temos um filme, que é uma comédia, contando como uma tragédia foi escrita e representada. E a tragédia e a comédia foram os gêneros teatrais que consagraram esse escritor clássico genial que foi Shakespeare.

3. Barroco e a dualidade de um Cisne

O Barroco é o estilo marcado pelos contrastes e excessos. Suas obras são conhecidas pelos conflitos entre corpo e alma, terra e céu, razão e emoção. Ou seja, pela dualidade.

Se o Barroco fosse um filme, uma boa possibilidade seria Cisne Negro. Uma bailarina candidata-se para o papel principal do famoso balé O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky, que será representado em Nova Iorque por uma grande companhia de dança.

Cena do filme Cisne Negro em que Nina representa o cisne negro
Filme Cisne Negro, dirigido por Darren Aronofsky e estrelado por
Natalie Portman e Mila Kunis (2010)

O papel requer alguém que represente tanto a bondade e a inocência do cisne branco quanto a malícia e a sensualidade do cisne negro. Ou seja, duas faces, antagônicas, de um mesmo ser.

Nina, a protagonista, quer o papel, e é uma forte candidata. No entanto, ela tem uma concorrente de peso, Lily, que pode ameaçar o seu sonho. Pressionada ao extremo, Nina se perde em seu próprio tormento.

A aura e as cores do filme, assim como as interpretações impecáveis das atrizes que representam as personagens centrais, e a trama em si, tudo colabora para entendermos o filme pelas lentes do estilo Barroco.

4. Arcadismo e a beleza da Toscana

O Arcadismo exalta a simplicidade, o equilíbrio, a clareza e a harmonia. Para isso, cria uma atmosfera campestre, amena e feliz. O contato com a natureza e a vida simples do campo são exaltados nos poemas árcades como o ápice de uma experiência de grande valor.

Assim acontece na trama do filme Sob o Sol da Toscana. Frances Mayes, a protagonista da história, descobre a infidelidade de seu marido e, arrasada, decide deixar tudo para trás e partir em viagem para a Toscana, na Itália.

Cena do filme Sob o sol da Toscana em que a protagonista se muda para uma casinha no campo
Filme Sob o Sol da Toscana, dirigido por Audrey Wells e estrelado por Diane Lane (2003)

Lá, Frances se encanta com a beleza do lugar e com a simplicidade de seus moradores. Isso faz com que ela resolva comprar uma casa ali para, assim, começar uma vida nova.

Os poetas árcades certamente concordariam com Frances, ao escolher a Toscana para viver. Isso pelo menos de acordo com os versos que escreviam, onde idealizavam a vida simples em contato com a natureza.

5. Romantismo e o exuberante Titanic

Se tem uma escola literária dramática e apaixonada, é o Romantismo. Esse é o estilo dos amores proibidos, das grandes paixões, dos finais trágicos e de personagens sofredoras.

Um bom filme para representar esses traços é o famoso Titanic. A história verídica do choque entre um enorme e luxuoso navio com um gelado e assustador iceberg. E também a história de um grande e imortal amor, vivido por Jack e Rose.

Cena do filme Titanic em que Jack e Rose estão no convés do navio
Filme Titanic, dirigido por James Cameron e estrelado por
Leonardo di Caprio e Kate Winslet (1997)

O casal vive um amor proibido por vários motivos. Rose é noiva de um homem muito rico. Jack é pobre e viaja clandestinamente no navio. Isso leva os dois a enfrentarem grandes desafios para poderem estar juntos.

O roteiro de Titanic explora temas como a diferença entre as classes sociais, o capitalismo, as grandes emoções e o amor, o mais sublime dos sentimentos. Poderia ser certamente escrito por um escritor romântico do século XIX.

6. Realismo e a verdade nua e crua da classe média americana

Cansado do sentimentalismo e dos excessos do Romantismo, o Realismo resolveu mostrar a vida como ela é, sem fantasias, com personagens cheios de defeitos e histórias cotidianas.

Em Beleza Americana, filme de grande sucesso, o protagonista Lester Burham vive uma crise existencial em meio a uma vizinhança aparentemente perfeita. Aos poucos, as hipocrisias e os conflitos escondidos atrás de muros brancos e jardins floridos vão sendo revelados.

Cena do filme Beleza Americana em que o protagonista se ajoelha diante da banheira em que a jovem amiga de sua filha se banha
Filme Beleza Americana, dirigido por Sam Mendes e estrelado por Kevin Spacey (1999)

Lester, já na meia idade, encanta-se pela beleza e juventude de Ângela e decide mudar o rumo de sua vida. O filme coloca em questão a noção de beleza e o modo de vida da classe média americana. Traz à tona também outras questões como o romantismo piegas, o desejo sexual, a alienação social, a futilidade e o jogo de aparências.

Daí Beleza Americana ser uma boa representação daquilo que os escritores realistas propunham: olhar a sociedade burguesa de forma a revelar tudo o que se esconde por trás das aparências.

7. Naturalismo e a morte dos sonhos

O Naturalismo via o ser humano como um produto do meio em que vivia, condicionado por sua raça e pelas condições sociais e históricas. Para os escritores naturalistas, o homem era dominado por instintos e pelo ambiente, quase que sem controle sobre o seu próprio destino.

O filme Réquiem para um sonho mostra a degradação física e mental de seus personagens, dominados por vícios e pela miséria social. O casal Harry e Marion sonham em montar um negócio próprio e terem uma boa vida juntos.

Cena do filme Requiem para um sonho
Filme Réquiem para um sonho, dirigido por Darren Aronofsky e estrelado por
Ellen Burslyn e Jared Leto (2000)

No entanto, são viciados em drogas pesadas e acabam sempre engolidos pelo vício enquanto o sonho de ambos vai ficando cada vez mais distante.

Sara, mãe de Harry, passa os seus dias assistindo TV. Até que é convidada para participar de seu programa favorito. Para poder usar no programa o seu vestido predileto, Sara começa a tomar remédio para emagrecer e acaba também viciada nas pílulas.

A incapacidade de vencer as condições a que estão submetidos desses personagens relaciona-se com as obras naturalistas em que o meio subjugava as pessoas e determinava o seu destino.

7. Parnasianismo e a beleza da forma

Para os poetas parnasianos, o mais importante era a perfeição estética. A forma deveria ser impecável e suplantar o conteúdo da obra. Fazia-se arte pelo prazer da própria arte. Beleza, clareza, sobriedade, distanciamento e elegância.

Orgulho e Preconceito, baseado no livro de mesmo título de Jane Austen, entrega isso em sua fotografia, figurinos e diálogos refinados. O enredo trata da vida das cinco irmãs Bennet às voltas com as pressóes em relação ao casamento, ao comportamento moral das moças e aos preconceitos sociais.

Cena do filme Orgulho e Preconceito em que o casal principal dança em um baile
Filme Orgulho e Preconceito, dirigido por Joe Wright e estrelado por
Keira Knightley e Matthew Macladyen (2005)

A mais velha, Elizabeth Bennet, apaixona-se pelo enigmático Senhor Darcy. Apesar do amor entre os dois, há também o preconceito, uma vez que a moça não tem os requisitos necessários para se casar com um homem tão rico e de alta posição como Darcy.

A beleza impecável das cenas do filme, as palavras tão bem escolhidas, a interpretação perfeita dos atores fazem de Orgulho e Preconceito uma versão cinematográfica do Parnasianismo.

8. Simbolismo: sonhos, mistérios e subjetividade

O Simbolismo tem como características a musicalidade, a subjetividade, a atmosfera onírica e misteriosa e a linguagem sensorial e hermética. Seus autores mergulham no inconsciente e no misticismo.

A Origem, com suas camadas de realidade e atmosfera de sonho, poderia muito bem ser um poema simbolista adaptado para o cinema. No filme, tudo é subjetivo e nada é o que parece.

Cena do filme A Origem
Cena do filme A Origem, dirigido por Christopher Nolan e estrelado por
Leonardo di Caprio (2010)

Don Cobb, o protagonista da história, é especializado em roubar ideias das mentes das pessoas enquanto elas dormem. Don é contratado, no entanto, para fazer o inverso: colocar uma ideia na mente de um homem muito rico e poderoso.

A missão é muito perigosa e ele deverá enfrentar grandes desafios para completá-la. A trama se passa no futuro, onde é possível entrar na mente das pessoas durante o sono. O filme fala sobre os mistérios do subconsciente, dos sonhos e sua complexidade, do poder da sugestão.

Ou seja, tem muito a ver com a escola simbolista. Assim, assistir A Origem pode ser uma boa forma de pensarmos sobre o Simbolismo e seus traços mais característicos.

9. Modernismo e o rompimento com regras e padrões

O Modernismo veio para romper com a tradição. Nada de sonetos, métrica ou temas convencionais. A proposta modernista, condicionada às mudanças por que passava o início do século XX, precisava de novas formas de expressão e de arte.

Um filme que pode ser relacionado a esses traços é Clube da Luta. Filme anárquico, que desconstrói o indivíduo e a sociedade de consumo, com uma linguagem ácida e uma narrativa fragmentada.

Cena do filme Clube da Luta
Filme Clube da Luta, dirigido por David Fincher e estrelado por Brad Pitt (1999)

O protonista do filme é Jack, um homem insatisfeito com sua vida monótona como vendedor de seguros. Ele encontra uma forma de extravasar suas frustrações em um clube clandestino de luta, liderado por Tyler Durden.

A busca por identidade, a necessidade de romper com padrões estabelecidos, a crítica social, e a forma como a narrativa é conduzida fazem de Clube da Luta um bom representante da proposta modernista.

10. Pós-Modernismo: tudo junto e misturado

O chamado Pós-Modernismo é o período posterior à décade de 60 do século XX até os dias atuais. Podemos chamar também de arte contemporânea. É um momento de muitas referências, que por vezes, inclusive, se misturam nas obras e também de muitos questionamentos e reflexões.

Cena do filme Matrix
Filme Matrix, dirigido por Lily e Lana Wachowsky e estrelado por Keanu Reeves (1999)

O filme Matrix, sucesso de bilheteria, é um exemplo dessas características pós-modernas. Ele mistura filosofia, ação, ficção científica e intertextualidade. Nada é definitivo, tudo é relativo, e a realidade pode ser só uma ilusão.

O personagem principal de Matrix é Thomas Anderson. Ele trabalha como programador em uma firma de tecnologia e vive atormentado por um pesadelo recorrente. Nesse sonho, Thomas está preso por cabos a uma série de computadores.

Ele começa, então, a desconfiar da própria realidade. Principalmente depois de conhecer Morpheus e Trinity e ser apresentado ao mundo fora da Matrix, o sistema ao qual está preso dirigido por uma inteligência artificial.

Thomas torna-se Neo, o escolhido para liderar uma revolução que vai libertar o mundo todo da Matrix. Com um enredo assim, Matrix é uma ótima representação das ideias e propostas trazidas pelas obras produzidas pelo Pós-Modernismo.

Conclusão

No fim das contas, literatura e cinema são feitos dos mesmos ingredientes. Muda a forma de expressão, mas os dilemas humanos permanecem. Na verdade, muito daquilo que o cinema produz veio das obras literárias, direta e indiretamente.

Dessa forma, os filmes trazem, nas histórias que contam, características e propostas que se assemelham a obras da literatura, de diversas épocas. E pode, assim, nos ajudar a guardar e a entender essas características e a relacioná-las às escolas literárias.

Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.

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