Dificuldades da língua portuguesa. Por que costumamos dizer que a nossa língua é difícil? Eu, como professora de Língua Portuguesa, frequentemente escuto alguém afirmar com veemência, inclusive, que “português é muito difícil”.
De fato, há na língua portuguesa muitos, digamos, detalhes que a tornam complexa. Mas, afinal, toda língua tem um pouco de complexidade mesmo. E isso porque as línguas, todas elas, são elementos vivos que se modificam para se adequar aos falantes. E daí surgem alguns casos que geram dúvidas e até uma sensação de estarmos andando por terreno arenoso, movediço.
Um caso interessante é o da palavra grama. Essa é uma palavra que, dependendo do contexto em que é empregada, pode apresentar gênero masculino ou gênero feminino. E aí vem a dúvida: “aqui diz-se o grama ou a grama“?
Pois é. Vou contar um caso que ocorreu comigo certa vez. Eu estava no mercado, na fila de fatiados, aguardando a minha vez. E, na minha frente, tinha um garoto de uns dez ou onze anos com a mãe.
Chegou a vez deles pedirem e a mãe disse tranquilamente ao atendente:
– Por favor, trezentos gramas de presun…
O menino nem deixou a mãe terminar. Já foi logo corrigindo a pobre em alto e bom som:
– Não, mãe, você não sabe?! É trezentas gramas que se diz! Grama termina com A. Então, é feminino!
A mãe, muito sem graça, pediu ao menino que falasse baixo e que era “quinhentos gramas, sim!”. O menino continuou teimando e dizendo que ela não sabia, já tinha saído da escola há muito tempo, que devia ter esquecido.
Eu, ali ouvindo, me dividia entre a professora e a consumidora. Por um lado, tinha vontade de me intrometer e dizer para o menino, na minha autoridade de estudiosa da língua, que a envergonhada mãe estava certíssima.
Mesmo que a lógica dele fizesse um pouco de sentido, já que sua explicação se baseava no fato de que boa parte das palavras terminadas em A, em nossa língua, são realmente do gênero feminino.
Por outro lado, porém, só pensava que queria que a fila andasse pra poder pegar meu presunto também e continuar as minhas compras. E certamente pedir bem alto: “por favor, trezentos gramas de presunto”. Só pra poder vingar a mãe um pouquinho.
O atendente entregou o presunto para a dona com um sorriso condescendente. Ela saiu com o filho que ainda falava sobre as gramas do presunto. Pobre mãe de adolescente!…
O fato é que a palavra grama tem, sim, feminino. E tem também masculino. Até lembrei aqui da música do Pepeu Gomes agora. “Ser um homem feminino não fere o meu lado masculino. Se Deus é menina e menino, sou masculino e feminino”.
Forcei um pouco a barra com a referência à música do Pepeu, né?! Mas é que me lembrou mesmo. Afinal, grama é masculino e é feminino. Explico.
A palavra grama, quando usada no sentido de medida de peso, como no caso do mercado que contei acima, é masculina. Então, diz-se “o grama” e pede-se mesmo “por favor, trezentos gramas de presunto”.
Já quando grama é usado no sentido de mato, vegetal, é uma palavra feminina. É “a grama do jardim“, meu caro leitor. E, se você pedir ao atendente do balcão de fatiados do mercado, “trezentas gramas” de presunto, vai estar incorrendo em um erro, segundo a gramática normativa.
Como ocorreu com o menino lá no mercado. Ah… são as dificuldades da língua! Realmente ela gera esse tipo de situação e muito recorrentemente. Acontece, inclusive, de você pedir “trezentos gramas” e ser olhado com, no mínimo, curiosidade.
Porque, de tanto ouvirmos “trezentas gramas”, parece estar errado dizer do jeito certo. E, talvez, como a língua é um instrumento que se adequa ao uso do falante, um dia, o menino do mercado esteja realmente certo.
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