O Dia dos Namorados está chegando e, para comemorá-lo, selecionamos alguns poemas de nosso cancioneiro que celebram o amor de muitas formas. A literatura brasileira é rica em textos que expressam sentimentos e tocam nossa emoção.
Mais do que versos, eles são declarações que atravessam o tempo para alcançar a alma e o coração do leitor. Do ardor da paixão à doçura da ternura, da alegria do encontro à melancolia da saudade, propomos uma viagem lírica por nosso universo poético.
E quem sabe você, caro leitor, possa encontrar nessa nossa curadoria versos que se tornem um presente para o seu amado ou amada? Esperamos sinceramente que sim. Venha conosco!
O Amor – Tema Universal da Poesia
Desde os primórdios da poesia, o amor tem sido o tema predileto dos poetas. Esse sentimento tão sublime e tão almejado tornou-se, através dos séculos, o motivo de muitos e muitos versos.
No Brasil, o tema Amor motivou os poetas constantemente. No século XVIII, o poeta Tomás Antônio Gonzaga escreveu um dos mais belos poemas de nossa literatura, .
A história de amor entre o pastor Dirceu e sua bela Marília foi contada através de 71 liras. Estas revelam tanto as alegrias quanto as tristezas da relação amorosa. A expectativa e as promessas da alegria do encontro amoroso e a dor da separação e da distância impostas pelo destino.
No século XIX, o movimento romãntico inundou nossas antologias poéticas de versos sobre o amor. Amor platônico, idealizado, sublime e atemporal, eterno. Essa era a promessa dos poetas da época.

Castro Alves, por exemplo, cantou o seu amor pela atriz Eugênia Câmara em poemas repletos de admiração, desejo e volúpia. Já Álvares de Azevedo descreveu o amor transcendente, capaz de atravessar a morte, e com a promessa da eternidade.
No século XX, os poetas foram menos abstratos, trouxeram alegria para os seus versos, com o Modenismo, e falaram do Amor de forma mais realista. O Amor passou a ser visto como eterno enquanto durasse, sem perder de forma alguma a intensidade e a paixão.
Vinícius de Moraes foi o grande representante da veia amorosa de nossa poesia nesse momento. O Poetinha criou sonetos de grande beleza e inesquecíveis. Também sua música foi veículo do enaltecimento da paixão e do amor.
A música, inclusive, nos legou versos belíssimos que embalaram inúmeras histórias de amor nas últimas décadas. Também tornaram-se jingles de campanhas publicitárias motivadas pelo Dia dos Namorados.
E muitos outros artistas produziram versos sobre o amor, que encantaram, emocionaram e tornaram-se trilha sonora da vida real e dos amores reais. Escolhemos dez poemas de amor para este artigo com grande dificuldade. Afinal, são tantos!
A pressa de amar
Marília de Dirceu
Lira XIV
Minha bela Marília, tudo passa;
A sorte deste mundo é mal segura;
Se vem depois dos males a ventura,
Vem depois dos prazeres a desgraça.
Estão os mesmos Deuses
Sujeitos ao poder impio Fado:
Apolo já fugiu do Céu brilhante,
Já foi Pastor de gado.
(…)
Ah! enquanto os Destinos impiedosos
Não voltam contra nós a face irada,
Façamos, sim façamos, doce amada,
Os nossos breves dias mais ditosos.
Um coração, que frouxo
A grata posse de seu bem difere,
A si, Marília, a si próprio rouba,
E a si próprio fere.
Ornemos nossas testas com as flores.
E façamos de feno um brando leito,
Prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
Gozemos do prazer de sãos Amores.
Sobre as nossas cabeças,
Sem que o possam deter, o tempo corre;
E para nós o tempo, que se passa,
Também, Marília, morre.
(…)
Tomás Antônio Gonzaga
Amor inalcançável
Soneto
Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era a mais bela! Seio palpitando…
Negros olhos as pálpebras abrindo…
Formas nuas no leito resvalando…
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti – as noites eu velei chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
Álvares de Azevedo
A sensualidade do Amor

Boa noite, Maria
Boa noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio…
Boa noite, Maria! É tarde… é tarde…
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa noite!… E tu dizes – Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos…
Mas não me digas descobrindo o peito,
– Mar de amor onde vagam meus desejos.
Julieta do céu! Ouve.. a calhandra
já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?… pois foi mentira…
…Quem cantou foi teu hálito, divina!
Se a estrela-d’alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d’alvorada:
“É noite ainda em teu cabelo preto…”
É noite ainda! Brilha na cambraia
– Desmanchado o roupão, a espádua nua –
o globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua…
É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores,
Fechemos sobre nós estas cortinas…
– São as asas do arcanjo dos amores.
A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos…
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.
Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!
Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora…
Marion! Marion!… É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!…
Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo…
E deixa-me dormir balbuciando:
– Boa noite! –, formosa Consuelo..
Castro Alves
A complexidade do Amor
Arte de amar
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Manuel Bandeira
Amor, absurdo
As sem-razão do amor
Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
Carlos Drummond de Andrade
Quando o Amor nada espera
De longe te hei de amar
De longe te hei de amar
– da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo, constância.
Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.
Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?
E, no fundo do mar,
a Estrela, sem violência,
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência.
Cecília Meireles
Amor por inteiro
Soneto do Amor Total
Amo-te tanto, meu amor… não cante
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo, de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
Vinícius de Moraes
Amor, declaração

Eu te amo
Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir
Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir
Se nós, nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir
Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu
Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu
Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios inda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair
Não, acho que estás só fazendo de conta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir
Chico Buarque
Amor e fim
Pétala
O seu amor
Reluz que nem riqueza, asa do meu destino
Clareza do tino, pétala
De estrela caindo bem devagar
Ó meu amor
Viver é todo sacrifício feito em seu nome
Quanto mais desejo um beijo, um beijo seu
Muito mais eu vejo gosto em viver, viver
Por ser exato
O amor não cabe em si
Por ser encantado
O amor revela-se
Por ser amor
Invade, e fim
(…)
Djavan
O Amor quando acaba
Codinome Beija-flor
Para que mentir
fingir que perdoou
a emoção acabou
que coincidência é o amor
a nossa música nunca mais tocou
Para quê usar de tanta educação
para destilar terceiras intenções
desperdiçando o mel
devagarzinho, flor e flor
entre os meus inimigos, beija-flor
Eu protegi o teu nome por amor
em um codinome beija-flor
não responda nunca meu amor
para qualquer um na rua, beija-flor
Que só eu que podia
dentro da tua orelha fria
dizer segredos de liquidificador
Você sonhava acordada
um jeito de não sentir dor
prendia o choro e aguava o bom do amor
prendia o choro e aguava o bom do amor
Cazuza
Conclusão
Neste post, procuramos reunir alguns versos que expressam a beleza e a complexidade do sentimento mais almejado e enaltecido da poesia de todos os tempos: o Amor.
Apresentamos dez poemas de amor que demonstram a beleza e a grandeza desse sentimento e também a dor e o sofrimento que podem vir com ele.
Os últimos textos são, na verdade, letras de música. Mas, como dissemos no início deste artigo, nossa música é também lugar de versos belíssimos de amor.
Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.
