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Dez melhores poemas de Carlos Drummond de Andrade

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Carlos Drummond de Andrade, poeta mineiro, nascido em Itabira do Mato Dentro, escreveu inúmeros poemas, todos muito pertinentes e relevantes. Difícil escolher entre uma gama enorme deles, os dez melhores.

Sua poesia é marcada pela contenção emocional, pela sobriedade, pela memória e pela dificuldade de engajamento do eu-lírico nos eventos sociais. Ao longo do tempo, vários poemas tornaram-se notórios e, portanto, muito presentes no nosso cotidiano.

Vejamos, então, dez desses poemas que se destacam dentro da poesia drummondiana.

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Dez melhores poemas de Carlos Drummond de Andrade

No meio do caminho

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
 
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

O famoso “poema da pedra” foi escrito por Drummond logo no início de sua carreira como poeta e causou polêmica logo que foi publicado na Revista de Antropofagia.

Os leitores, acostumados à poesia romântica e parnasiana, viam os versos de “No meio do caminho” com grande estranheza e julgavam-no banal.

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Na verdade, esse é um poema profundo que funciona como uma espécie de metáfora para a vida. A pedra pode ser lida, nesse sentido, como os obstáculos e problemas que enfrentamos em nosso cotidiano, muitas vezes, de forma inesperada.

O poema nos faz pensar também em como esses problemas, ainda que difíceis de serem enfrentados, transformam o nosso ser e trazem o amadurecimento.

Poema de sete faces

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode,

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Em “Poema de sete faces”, publicado em uma de suas primeiras obras, o livro Alguma poesia, de 1930, a figura do gauche aparece pela primeira vez. O gauche (esquerdo em francês) significa no poema aquele que é diferente, estranho, distante.

O poeta, ainda que faça parte da cena, nunca se envolve completamente ou deixa-se ver por inteiro. Ainda que esteja emocionado, esforça-se para não deixar isso transparecer. É o gauche ali, observando a todos e a tudo, de canto, com o máximo de sobriedade e seriedade.

Confidência do Itabirano

Confidência do itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
 
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
 
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa…
 
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

Esse poema revela a forte relação do poeta com suas origens mineiras e a presença da memória, uma constante em sua poesia.

“Confidência do itabirano” é um poema autobiográfico que apresenta um pouco da personalidade de Drummond e de seu amor por Itabira, sua cidade natal.

Sentimento do Mundo

Sentimento do mundo

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
 
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
 
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
 
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
 
esse amanhecer
mais noite que a noite.

Em “Sentimento do mundo”, poema publicado em livro de mesmo título, em 1940, o poeta sai do canto, abandona suas reservas, e se irmana aos outros homens em um momento de grandes preocupações e angústia.

Os versos de Drummond falam da guerra, do medo, de horrores e atrocidades. Falam também da escassez de alimentos e de conforto. Mas em suas entrelinhas paira o afeto, o sentimento de solidariedade diante da solidão humana e da morte iminente.

Quadrilha

Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili,
que não amava ninguém.

João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

“Quadrilha” foi publicado também no primeiro livro de poesias do poeta, Alguma poesia, de 1930. Seus versos, assim como o seu título, remetem a um costume das festas juninas brasileiras, a dança da quadrilha.

Esse evento é marcado pela dança em pares e pelo jogo da conquista e da troca de casais. No poema, parece haver uma dança desencontrada onde há sentimento, mas ninguém é correspondido.

“Quadrilha” fala da dificuldade de encontrar o amor verdadeiro e sincero. O desfecho do poema colabora com essa ideia ao dizer que apenas quem não amava ninguém, Lili, conseguiu um par, ou se casar.

José

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
 
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
 
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
 
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
 
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!
 
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

“José” é um poema que traz a agonia do impasse, tema muito presente nos poemas drummondianos. A personagem é alguém que tem uma vida comum, banal, e que se encontra só, sem saber para onde ir ou que fazer.

Esse impasse é algo pelo qual em algum momento da vida todos nós passamos. É, portanto, algo muito humano e promove no leitor a identificação imediata. O eu-lírico também se volta para nós na clara intenção de nos fazer experimentar a sensação vivida pela personagem.

José é também o povo e é também o poeta. A angústia retratada no texto remete a um contexto muito exasperante. Publicado em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, os versos retratam também o impasse da guerra e, no Brasil, o de viver em uma ditadura, instaurada no Governo Vargas.

Memória

Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

“Memória” é um poema que fala daquilo que fica depois que perdemos alguém importante para nós. As perdas são o que há de mais terrível na vida. Mas, depois do choque inicial, depois do luto e da dor aguda, vem a lembrança do que foi bom.

As Sem-Razões do Amor

As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
 
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
 
Eu te amo porque não amo
bastante ou de mais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
 
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Por mais razões que tenhamos para amar alguém, de fato, todas serão pouco para explicar por que amamos. O amor não tem e nem pede explicação. O amor é. O título do poema já aponta para isso ao brincar com a duplicidade de significado da sonoridade da palavra “sem”.

Há cem para amar e também não há nenhuma. O amor acontece sem explicação e sem data marcada. Talvez por isso o poeta diga que ele “é primo da morte”.

Não se mate

Não se mate

Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.
 
Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
Reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.
 
O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.
 
Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.
Não se mate

“Não se mate” é um poema melancólico mas também esperançoso. O eu-lírico, ironicamente chamado Carlos, aconselha a si próprio a respeito do amor. Seus conselhos asseguram que, apesar da dor da decepção amoroso, há de chegar o dia em que o amor virá de verdade.

E, ainda que ele não venha, é preciso esperar por ele. A esperança no amor é o motivo para que ele se mantenha vivo. O amor é, portanto, a pulsão de vida necessária à continuidade da existência do eu-lírico.

Mãos dadas

Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

“Mãos dadas” é um dos poemas mais conhecidos de Carlos Drummond de Andrade. Nele, o poeta fala daquilo que deseja para a sua poesia. Diz que não quer falar do passado e nem fazer versos como os românticos ou os clássicos.

Também se nega a evadir da vida, fugir para um tempo perdido ou refugiar-se numa ilha. Ou ainda projetar suas esperanças em um tempo vindouro. Ele quer o presente e fazer poesia sobre aquilo que o rodeia e o afeta.

Conclusão

Apresentamos aqui uma seleção de poemas de Carlos Drummond de Andrade que são bastante conhecidos de seus leitores e também do público em geral.

A poesia drummondiana é marcada por alguns elementos muito claros como a figura do gauche, a memória e a referência a Itabira, o impasse diante da vida, a contenção amorosa e a própria poesia.

E é o que pudemos ver nessa seleção que pretende ser uma pequena prova, um aperitivo, da poesia de Drummond para os leitores iniciantes em seus versos. Para aqueles que já têm intimidade com os seus poemas, esperamos que essa lista seja motivo de reencontro e aconchego.

Leia também nosso artigo sobre os dez melhores poemas de amor de Vinícius de Moraes.

Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.

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