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Clarice Lispector: vida e obra

  • Samira Mór 

Clarice Lispector é considerada uma das maiores escritoras do Brasil e deixou sua marca em nossa literatura através de suas crônicas, contos e romances.

Escritora da terceira geração do Modernismo brasileiro, Clarice tem uma escrita marcada pelo intimismo, por um mergulho profundo na psiquê humana e por elaborações poéticas tocantes.

A seguir, conheça um pouco mais da vida e da obra dessa grande escritora.

Introdução

Quando se fala em literatura brasileira, um nome que inevitavelmente surge é o de Clarice Lispector.

A jovem Clarice Lispector pensativa e fumando um cigarro.

Sua escrita, caracterizada por uma profunda introspecção e uma busca constante pelo sentido da existência, encanta e comove o leitor.

A autora dizia que vivia para escrever e que, quando não conseguia fazê-lo, era como se estivesse morta.

A escrita, portanto, foi o motor de sua vida e, desde cedo, ainda muito jovem, Clarice pôde demonstrar o seu grande talento.

Primeiros Anos e Formação de Clarice Lispector

Infância e Origem

Clarice Lispector nasceu em 10 de dezembro de 1920, na pequena cidade de Tchetchelnik, na Ucrânia.

Seus pais, Pinkouss e Mania Lispector, eram judeus que fugiram da perseguição durante a Guerra Civil Russa e se estabeleceram no Brasil quando Clarice tinha apenas dois meses de idade.

A família passou a morar em Maceió, Alagoas, onde a menina passou os primeiros anos de sua vida.

Fotografia da autora quando era menina.

Desde cedo, Clarice mostrou um grande interesse pela literatura. Aos sete anos, já estava fascinada pelos livros e começou a escrever suas primeiras histórias.

Sua infância, embora marcada pelas dificuldades de adaptação e pela perda precoce da mãe, foi crucial para moldar sua visão de mundo e o estilo introspectivo que caracterizaria sua obra.

Juventude e Educação

Na adolescência, a família de Clarice mudou-se para o Recife, onde ela teve contato com uma vida cultural mais rica. Foi lá que ela começou a se destacar academicamente, especialmente em português e literatura.

Em 1935, a família se mudou novamente, desta vez para o Rio de Janeiro, onde Clarice ingressou na Faculdade Nacional de Direito.

Apesar de não ter seguido carreira jurídica, foi na faculdade que ela consolidou seu interesse pela escrita.

“As jovens mulheres saberão, então, que delas se espera

o cumprimento do grave dever de ser feliz”.

Clarice Lispector iniciou sua carreira como jornalista, trabalhando em várias revistas e jornais, o que lhe permitiu desenvolver ainda mais suas habilidades de escrita.

Essa experiência jornalística influenciaria posteriormente a clareza e a precisão de seu estilo literário.

Início da Carreira Literária de Clarice Lispector

Primeira Obra: Perto do Coração Selvagem

Em 1943, Clarice Lispector publicou seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem, aos 23 anos.

O livro foi um sucesso imediato, destacando-se por sua narrativa inovadora e sua introspecção psicológica, algo pouco comum na literatura brasileira da época.

Fotografia da escritora Clarice Lispector.

A obra, que narra a história de uma jovem chamada Joana e sua busca por compreensão em um mundo repleto de ambiguidades, marcou o início de uma nova era na literatura nacional.

Perto do Coração Selvagem é um exemplo claro da escrita de Clarice, onde a trama se desenvolve mais no interior dos personagens do que nas ações externas.

A forma como Clarice explora as emoções e os pensamentos das personagens reflete sua habilidade única de dissecar a alma humana.

Outras Obras Marcantes

Após o sucesso de seu primeiro livro, Clarice continuou a publicar obras que solidificaram sua posição como uma das principais escritoras do Brasil. Entre suas obras mais conhecidas estão:

A Paixão Segundo G.H. (1964)

Este romance é considerado uma das obras-primas de Clarice. A história segue uma mulher que, ao matar uma barata em seu apartamento, passa por uma profunda crise existencial.

A narrativa é um mergulho na subjetividade e nas questões filosóficas sobre a vida e a morte.

“Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo – quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação”.

E pode-se ir ainda mais além e afirmar que o livro tem um viés social ao tratar também, ainda que de forma sutil, da invisibilidade de mulheres negras na sociedade brasileira.

Em abril deste ano, a história narrada no romance de Clarice Lispector foi levada para as telonas no filme de mesmo título dirigido por Luís Fernando Carvalho.

A Hora da Estrela (1977)

Publicado pouco antes de sua morte, este livro narra a história de Macabéa, uma nordestina que vive no Rio de Janeiro.

A obra explora a invisibilidade social e a solidão, temas recorrentes na literatura de Clarice. Também traz à cena a figura do nordestino que vem para o Sudeste do Brasil em busca de melhor condição de vida.

Cena do filme A hora da estrela, de Suzana Amaral, com a protagonista Macabéa no centro da imagem.

A Hora da Estrela é considerada uma das obras mais acessíveis de Clarice e também uma das mais emocionantes. Também tornou-se filme de sucesso com atores nordestinos nos papéis principais e dirigido por Suzana Amaral.

Laços de Família (1960)

Laços de Família é uma coletânea de contos que demonstra o talento de Clarice Lispector para capturar momentos cotidianos e transformá-los em reflexões profundas sobre a vida, os relacionamentos e as emoções humanas.

A autora reuniu contos como os desse livro em outras obras semelhantes como Felicidade Clandestina e A Legião Estrangeira.

Outras livros importantes da autora são: O Lustre (1946), A Cidade Sitiada (1949), A Maçã no Escuro (1961), Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres (1969), Água Viva (1973), Um Sopro de Vida (1978).

Há ainda as obras de literatura infantil, como A Mulher que Matou os Peixes (1968), A Vida Íntima de Laura (1974) e Quase de Verdade (1978). E também os livros de crônica: A Descoberta do Mundo (1984) e Para Não Esquecer (1978).

Vida Pessoal de Clarice Lispector e Sua Influência na Escrita

Casamento e Viagens

Em 1943, Clarice casou-se com o diplomata Maury Gurgel Valente, com quem teve dois filhos.

Devido à carreira diplomática do marido, Clarice morou em vários países, como Itália, Suíça e Estados Unidos.

Essas experiências no exterior ampliaram sua visão de mundo e influenciaram sua escrita, dando-lhe uma perspectiva global e, ao mesmo tempo, um olhar introspectivo sobre sua própria identidade como brasileira.

Clarice Lispector nunca abandonou sua paixão pela escrita, mesmo durante suas longas estadias fora do Brasil.

Embora as viagens tenham distanciado Clarice de sua terra natal, elas também lhe deram novas experiências e referências culturais, que enriqueceram sua produção literária.

Separação e Retorno ao Brasil

Em 1959, Clarice se separou de Maury Gurgel Valente e voltou definitivamente ao Brasil com seus filhos. Esse retorno marcou uma nova fase em sua vida e em sua carreira literária.

Fotografia de Clarice Lispector junto de um de seus filhos.

No Brasil, ela se dedicou integralmente à escrita, continuando a publicar livros que aprofundavam ainda mais sua exploração da alma humana.

O Estilo de Clarice Lispector

Escrita Introspectiva e Filosófica

A biografia de Clarice Lispector não estaria completa sem uma análise de seu estilo de escrita.

Clarice é conhecida por sua linguagem introspectiva e altamente poética, que frequentemente explora temas filosóficos e existenciais.

Seus textos são carregados de simbolismo e profundidade, exigindo do leitor uma leitura atenta e reflexiva.

Apaixonada pelas palavras, Clarice usava a literatura como uma forma de explorar questões existenciais, como a solidão, a identidade, o tempo e a morte.

Suas narrativas, muitas vezes, não seguem uma linha cronológica tradicional, mas sim um fluxo de consciência que mergulha nas profundezas da mente de suas personagens.

É a chamada epifania clariceana. Ou seja, o momento em que a personagem, a partir de algo banal de seu cotidiano ou momento de vida, faz uma descoberta (uma epifania) sobre um aspecto importante de si mesma.

Influências Literárias

Embora Clarice Lispector tenha desenvolvido um estilo muito próprio, sua obra foi influenciada por grandes nomes da literatura mundial.

Entre suas influências estão James Joyce, Virginia Woolf e Dostoiévski. Ela conseguiu transformar essas influências em algo único, criando uma voz literária inconfundível.

Legado e Impacto

Reconhecimento Póstumo

Clarice Lispector faleceu em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de completar 57 anos, vítima de câncer.

Embora tenha recebido reconhecimento durante sua vida, foi após sua morte que sua obra ganhou ainda mais força e prestígio.

Clarice Lispector em sua última entrevista, pouco antes de sua morte.

Hoje, Clarice é estudada em escolas e universidades ao redor do mundo, e suas obras continuam a ser traduzidas para diversos idiomas.

O impacto de Clarice Lispector na literatura brasileira e mundial é inegável. Sua capacidade de capturar a essência da experiência humana, de forma tão delicada e, ao mesmo tempo, intensa, garante que sua obra permaneça relevante e inspiradora para as gerações futuras.

Conclusão

Clarice Lispector foi uma mulher que, através da escrita, buscou entender a complexidade da vida e da mente humana.

Suas obras, profundamente introspectivas, continuam a tocar leitores em todo o mundo, convidando-os a refletir sobre suas próprias existências.

“Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir…”

Filósofa da alma, Clarice Lispector deixou uma obra artística impactante e é uma voz única e poderosa na literatura brasileira e mundial.

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