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Arcadismo: características, contexto histórico, autores e obras

O Arcadismo, também conhecido como Neoclassicismo ou Setecentismo, ocorreu no século XVIII, o Século das Luzes, na Europa e no Brasil.

O que é o Arcadismo?

O Arcadismo é um estilo ou movimento artístico inspirado nos conceitos da chamada arte clássica que, por sua vez, tem como base os princípios da arte e da filosofia dos gregos e romanos da Antiguidade.

O Arcadismo é um estilo que se inspirou na cultura e na arte greco-latina da Antiguidade. Na imagem, vemos um templo grego em Atenas, Grécia.

Por se inspirar na arte clássica, o Arcadismo é também conhecido como Neoclassicismo. Já o nome Setecentismo tem sua razão no período em que esse estilo perdurou, o século XVIII ou os anos de mil e setecentos.

Contexto histórico do Arcadismo

O Arcadismo surge na segunda metade do século XVIII. Esse século é conhecido como Século das Luzes devido ao movimento iluminista que tinha como preceito principal o entendimento da vida e do mundo através da razão.

Nesse período, a ciência, o conhecimento e a educação eram considerados os ingredientes-chave para se construir uma sociedade próspera e progressista.

A arte, então, abandonando os excessos e contrastes do estilo barroco do século XVII, buscava retratar a realidade com clareza e equilíbrio. Por isso, os artistas do período buscam inspiração nos princípios da arte clássica.

Cidade de Paris, século XVIII, momento do Arcadismo. Na imagem, vemos o Arco do Triumfo, famoso monumento da cidade.

Ao fazer isso, as obras árcades refletiam os ideais iluministas e demonstravam a busca por uma visão racional e equilibrada da vida.

A industrialização e o crescimento das cidades

No entanto, é importante observar que o século XVIII foi um período de grandes mudanças e avanços nos campos da ciência e da filosofia. E também um momento em que as cidades entraram em franco crescimento.

Esse crescimento, todavia, enfrentou sérios desafios. Com a industrialização e o crescimento do comércio, as cidades passaram a receber uma grande quantidade de pessoas, mas sem ter condições estruturais para isso.

Não havia emprego para todas essas pessoas, obrigando muitas delas a viverem nas periferias das cidades de forma, muitas vezes, miserável. As condições de saneamento eram péssimas e muitas doenças começaram a aparecer.

Há relatos de que a cidade de Paris, por exemplo, famosa por sua beleza e elegância, no século XVIII, devido à falta de saneamento, tinha ruas que cheiravam muito mal.

Imagem de uma rua de Paris no século XIX, demonstrando a falta de infraestrutura da cidade.

Assim, para o artista, em especial para os poetas e escritores, seria difícil produzir uma obra bela e equilibrada, retratando o ambiente urbano da época. Por isso, as obras árcades retratam um outro ambiente.

O cenário árcade

Esse ambiente é o campo dos gregos antigos. Um lugar conhecido como Arcádia. A Arcádia, da antiga Grécia, era o lugar onde os pastores viviam em paz e harmonia com a natureza.

Ou seja, o ambiente retratado nas obras árcades é um cenário estilizado e ideal, onde há equilíbrio e a razão reina soberana.

A predileção pelo ambiente campestre e pastoril, no entanto, torna-se uma convenção do estilo e, por isso, esse ambiente acaba por se tornar artificial e repetitivo.

O bucolismo é um traço marcante do Arcadismo. A imagem mostra uma moça sentada em um balanço que é impulsionado por um homem, em meio à natureza.

No entanto, alguns escritores do período, ainda que seguindo as convenções árcades, conseguem criar obras belíssimas e significativas. É o caso de Bocage, em Portugal, e de Tomás Antônio Gonzaga, no Brasil.

Características do Arcadismo

As obras árcades são marcadas por preceitos clássicos de harmonia, beleza e racionalidade. Veja abaixo as principais características desse estilo:

  • Racionalismo;
  • Equilíbrio, harmonia, beleza, elegância e clareza;
  • Oposição aos excessos do Barroco;
  • Bucolismo ou pastoralismo, o enaltecimento da vida no campo;
  • Linguagem simples, clara e direta;
  • Na poesia, uso de pseudônimos pastoris (a adoção de nomes de pastores da Grécia Antiga);
  • Uso de expressões em latim, os chamados clichês árcades, que indicam o que se espera das obras árcades. São eles:

inutilia truncat (cortar os excessos);

aurea mediocritas (equilíbrio de ouro);

fugere urbem (fuga da cidade);

locus amoenus (lugar ameno, feliz);

carpe diem (aproveitar o dia, viver o momento presente).

Arcadismo em Portugal

O Arcadismo em Portugal foi propagado através de uma agremiação, um grupo de artistas, conhecida como Arcádia Lusitana. Dela participavam vários artistas de renome da época. Dentre eles, estava era Manuel Maria Barbosa Du Bocage.

Bocage foi um poeta de grande destaque que, inicialmente, produziu poesia dentro dos moldes árcades. No entanto, cedo teve problemas com as regras da Arcádia Lusitana e acabou desertando da agremiação.

Manuel Maria Barbosa du Bocage, poeta do Arcadismo português.
Manuel Maria Barbosa du Bocage, poeta do Arcadismo português

Por isso, as obras de Bocage apresentam características árcades, mas também anunciam o estilo posterior ao Arcadismo, o Romantismo. E são, por isso, chamadas de pré-românticas.

Arcadismo no Brasil

O Arcadismo no Brasil teve início em 1768, com a publicação de Obras poéticas, de Cláudio Manoel da Costa. As obras árcades coincidem com a mineração do ouro no interior de Minas Gerais, principalmente na cidade de Vila Rica, hoje Ouro Preto.

O Arcadismo brasileiro produziu obras de cunho lírico, satírico e épico. E alguns escritores importantes se destacaram.

Tomás Antônio Gonzaga

Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) foi um poeta mineiro conhecido por dois famosos poemas de nossa literatura: Marília de Dirceu ou Liras, obra lírica, e Cartas Chilenas, obra satírica.

Tomás Antônio Gonzaga, poeta mais importante do Arcadismo brasileiro.
O poeta Tomás Antônio Gonzaga

Além de sua contribuição à literatura, Gonzaga também tem importante papel histórico. Ele participou do movimento da Inconfidência Mineira que tinha como objetivo libertar a região das Minas Gerais dos desmandos de Portugal.

Como registra a história, esse movimento não teve sucesso. Seu líder, conhecido como Tiradentes, foi preso, enforcado e esquartejado publicamente. Os outros participantes também foram presos e exilados do Brasil.

Marília de Dirceu

Também conhecido como Liras, este é um longo poema lírico, composto por três partes, cada uma apresentando uma certa quantidades de liras, ou seja, poemas.

Minha bela Marília, tudo passa;

A sorte deste mundo é mal segura.

Se vem depois dos males a ventura,

Vem depois dos prazeres a desgraça.

Estão os mesmos Deuses

Sujeitos ao poder do ímpio Fado:

Apolo já fugiu do Céu brilhante,

Já foi Pastor de gado.

A primeira parte contém trinta e três liras, a segunda trinta e oito e a terceira quatorze. Somando, assim, oitenta e cinco poemas.

São versos de amor, desejo de conquista, dor e desesperança.

Na primeira parte, o eu-lírico, entitulado Dirceu, procura apresentar-se e mostrar a sua amada, Marília, o quão bom partido ele é. Ele quer conquistá-la e casar-se com ela.

Museu Casa de Tomás Antônio Gonzaga, em Ouro Preto, Minas Gerais.
Museu Casa de Tomás Antônio Gonzaga, em Ouro Preto, Minas Gerais

Essa parte inicial segue os preceitos árcades, colocando as personagens do poema, Marília e Dirceu, em um ambiente campestre. Um lugar calmo, iluminado e feliz.

Dirceu é um pastor que cuida de uma terra fértil e próspera, onde há sol, pastos verdes e flores. E o eu-lírico, Dirceu, convida sua amada Marília para viver a felicidade do amor conjugal.

Esse é o chamado locus amoenus, ou lugar ameno, da convenção árcade.

Na segunda parte, porém, a cena se modifica bastante. Dirceu não está mais em seu sítio com sua amada. Agora ele está numa prisão fria e fétida. E chora a falta de Marília.

O cenário árcade desaparece e é substituído pelo locus horrendus, ou seja, um lugar horrível, escuro, frio e solitário. A placidez e harmonia de antes transforma-se em angústia, medo e saudade.

O eu-lírico se desequilibra e pode-se dizer até que ele perde a razão ou que é tomado pela emoção. O Arcadismo caminha para o Romantismo. E podemos ver nessa parte traços pré-românticos na obra de Gonzaga.

A terceira parte do poema traz versos de menor importância e há quem duvide se são realmente do poeta. Por isso, não daremos grande atenção a ela.

Maria Dorotéia de Tomás Antônio Gonzaga

O poema Marília de Dirceu corresponde curiosamente e, podemos dizer até, diretamente à vida pessoal de Tomás Antônio Gonzaga.

Ocorre que o poeta, na época com quase quarenta anos, apaixonou-se por uma moça de quinze anos chamada Maria Doroteia Joaquina de Seixas Brandão.

Maria Doroteia inspirou Gonzaga a escrever os versos de Marilia de Dirceu, mais famosa obra do Arcadismo brasieliro.

Maria Doroteia tornou-se a musa inspiradora de Gonzaga. Este fez-lhe a corte por anos até conseguir tornar-se seu noivo, em 1789. Nesse mesmo ano, Gonzaga foi preso por sua participação no movimento da Inconfidência Mineira.

A pena imputada a ele foi o degredo nas colônias africanas. E os amantes nunca mais se viram.

Mas é clara a relação entre o desejo de conquistar a amada da primeira parte de Marília de Dirceu e a angústia do eu-lírico ao se ver preso em uma cela fria longe de sua amada da segunda parte com a biografia de Tomás Antônio Gonzaga.

É possível pensar, assim, nas personagens do poema como alteregos do poeta e sua amada. E isso torna essa obra de Gonzaga ainda mais curiosa e permite entender o porquê de sua relevância em nossa literatura.

Cartas Chilenas

Esse é um poema satírico atribuído a Tomás Antônio Gonzaga e que, como toda obra satírica, tem grande valor documental.

As Cartas Chilenas circularam pela antiga Vila Rica de forma anônima. Elas falam da festa de casamento da sobrinha do governador de Santiago do Chile, denominado Fanfarrão Minésio.

Há tempo, Doroteu, que não prossigo

Do nosso Fanfarrão a longa história.

Que não busque cobrí-los com tal capa,

Que inda se persuada que os mais homens.

O poema critica os altos gastos com essa festa, gastos que teriam saído dos cofres públicos. Os versos também criticam outros desmandos do governador como, por exemplo, o de privilegiar os ricos em detrimento dos pobres.

Cartas chilenas, obra satírica de Tomás Antônio Gonzaga.

Os nomes do lugar e das pessoas, no poema, são fictícios. Mas era facilmente perceptível a quem se referiam. Santiago do Chile era, na verdade, a cidade de Vila Rica, centro do poder econômico à época do ciclo da mineração. E Fanfarrão Minésio era o governador de Minas Gerais Luís da Cunha Menezes.

Era à má administração de Minas Gerais que os versos de Gonzaga se referiam. As alcunhas usadas no poema eram apenas um subterfúgio para que os alvos da crítica não fossem imediatamente identificados.

Essas alcunhas funcionam também no poema como um jogo interessante de ironia. Esse é um recurso de linguagem muito útil e comum nos textos satíricos e tornam a obra ainda mais interessante.

Outros autores e obras do Arcadismo brasileiro

Além do poeta Tomás Antônio Gonzaga, há outros escritores árcades que devemos considerar no período.

São eles Cláudio Manoel da Costa, também poeta e amigo de Gonzaga e autor de várias obras líricas; Basílio da Gama, que escreveu o poema épico O Uruguai; e Santa Rita Durão, autor de Caramuru, também um poema épico.

Conclusão

O Arcadismo ou Neoclassicismo, portanto, é um movimento que, inspirando-se na arte clássica do passado, produziu obras marcadas pelo equilíbrio e o predomínio da razão.

As obras árcades, quer nas artes plásticas quanto na literatura, primam pelo bom gosto e a harmonia. O cenário predominante nessas obras é o campo estilizado, onde a natureza é bela e tranquila.

Em Portugal, o principal poeta do Arcadismo foi Manuel Maria Barbosa du Bocage. Embora tenha produzido belos poemas dentro do estilo árcade, cedo Bocage distanciou-se do movimento, caminhando para a poesia romântica.

No Brasil, o Arcadismo coincide com a mineração do ouro nas Minas Gerais, sendo Vila Rica (hoje Ouro Preto), o polo econômico e cultural do período no Brasil.

O principal artista do Arcadismo no Brasil é Tomás Antônio Gonzaga com os poemas Marília de Dirceu, ou Liras, e as Cartas Chilenas.

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