Pular para o conteúdo
Início » O Primo Basílio, de Eça de Queirós: resenha

O Primo Basílio, de Eça de Queirós: resenha

O primo Basílio

“É que o amor é essencialmente perecível, e na hora em que nasce começa a morrer.

Só os começos são bons. Há então um delírio, um entusiasmo, um bocadinho do céu.

Mas depois! Seria pois necessário estar sempre a começar, para poder sempre sentir?”

O Primo Basílio, romance de Eça de Queirós, publicado em 1878, é uma obra que apresenta características dos movimentos realista e naturalista. Esses movimentos tiveram grande força na segunda metade do século XIX e trouxeram uma abordagem mais crítica e objetiva da realidade.

Cena da minissérie O primo Basílio, da Rede Globo.

Eça de Queirós se destaca como um dos principais representantes desses movimentos em Portugal. Sua escrita retrata de forma minuciosa a sociedade portuguesa da época.

O enredo

O romance O Primo Basílio conta a história de Luísa, uma mulher que vive um casamento confortável com o engenheiro Jorge, mas se envolve em um caso extraconjugal com Basílio, seu primo e namorado de juventude.

Através dessa trama, Eça de Queirós expõe as contradições e hipocrisias da sociedade burguesa da época, revelando as consequências devastadoras desse tipo de relacionamento.

Ao retratar a vida doméstica de Luísa e Jorge, o autor revela as tensões e insatisfações que permeiam o casamento, expondo a fragilidade das relações humanas e a busca incessante por prazeres e satisfação pessoal.

O adultério feminino

O adultério feminino foi um tema recorrente nos romances da época. Um desses romances, anterior a O primo Basílio, é Madame Bovary, do escritor francês Gustave Flaubert.

Há, inclusive, muitas semelhanças entre os dois romances. No livro de Flaubert, a protagonista Ema Bovary, assim como Luísa, busca uma vida mais emocionante e glamourosa em uma relação fora do casamento. O comportamento de Ema e de Luísa é bastante semelhante e também o gosto que têm em ler romances românticos.

“… tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas

sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que

se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim

numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente,

cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!”

Embora a ambientação dos dois romances seja diferente, ambos exploram o adultério cometido pela mulher burguesa. Essa mulher, segundo os escritores realistas, é frágil e tola devido à educação romântica que recebeu através da leitura de romances românticos.

O romance de costume

Além disso, a obra de Eça de Queirós também aborda temas como a moralidade, a hipocrisia social e as diferenças de classe. O autor chegou a chamar seus romances realistas de “Cenas da vida portuguesa”. Por isso, é também possível classificar as suas obras de romances de costume.

Através de uma trama envolvente e personagens marcantes, Eça de Queirós nos convida a refletir sobre os valores morais e as relações humanas, questionando as convenções sociais e a busca incessante por prazeres e satisfação pessoal.

O primo Basílio, de Eça de Queirós

Essa obra se torna, assim, um retrato fiel de uma época marcada por contradições e dilemas, e uma crítica contundente à sociedade burguesa da época.

O Realismo-Naturalismo em O primo Basílio

O Realismo e o Naturalismo são movimentos literários distintos, com semelhanças e também diferenças. No entanto, em Portugal, e mais especificamente nas obras de Eça de Queirós, eles andaram juntos e se fazem presentes nas obras de maturidade desse escritor.

O Realismo

O Realismo é um movimento literário que surgiu na segunda metade do século XIX como uma reação ao Romantismo, buscando retratar a realidade de forma mais fiel e objetiva. Ao contrário dos românticos, que valorizavam a imaginação e a subjetividade, os escritores realistas tinham como objetivo retratar a sociedade e seus problemas de maneira crítica, sem idealizações ou exageros.

O Naturalismo

Já o Naturalismo foca mais nos comportamentos humanos que aproximam o homem do animal. Os conceitos da ciência do período são mais perceptíveis nesse movimento, principalmente o Determinismo que prega que o homem é produto do meio, da raça e da condição histórica.

Em O primo Basílio, temos tanto características realistas quanto naturalistas. Há a denúncia de comportamentos imorais que se escondem por trás das aparências e a crítica ao Romantismo, características claramente realistas. Assim como o Naturalismo pode ser observado, por exemplo, no destaque dado a personagens das classes inferiores, como é o caso de Juliana.

A representação detalhada do ambiente

Outro traço marcante desse movimento é a representação detalhada do ambiente social e dos costumes da época.

Os escritores se dedicavam a descrever minuciosamente os cenários em que se passavam suas histórias, buscando criar uma atmosfera verossímil que refletisse a realidade.

Além disso, se esmeravam em usar um vocabulário e uma sintaxe cultos, o que tornava o texto, ainda que abordasse cenas desagradáveis, belo e elegante.

A crítica social e a objetidade narrativa

A crítica social também é muito presente nas obras desse período. Os escritores desse movimento não tinham medo de expor as injustiças e desigualdades presentes na sociedade, denunciando a hipocrisia social, a corrupção e a decadência moral.

Eles utilizavam a literatura como uma forma de protesto e de conscientização, expondo os problemas sociais de forma contundente e realista.

A objetividade na narrativa é mais uma característica marcante do Realismo-Naturalismo. Os escritores desse movimento buscavam uma linguagem clara e direta, evitando o uso de figuras de linguagem e de elementos fantasiosos.

O objetivo dessas obras era retratar a vida cotidiana de forma verossímil, aproximando a literatura da realidade.

A elegância da escrita queirosiana

Um dos aspectos marcantes da escrita de Eça de Queirós é a sua elegância. Sua prosa fluente e bem estruturada cativa o leitor desde as primeiras páginas.

Eça tinha o dom de descrever cenas e ambientes com riqueza de detalhes, transportando o leitor para o universo ficcional que criava.

A escrita esmerada de Eça de Queirós aproxima-o, inclusive, do poeta Luís de Camões. Ambos são considerados lapidadores da língua portuguesa ao produzirem os seus registros com grande beleza e correção gramatical.

No entanto, a bela escrita de Eça, como um vampiro, esconde uma face terrível: seu conteúdo. Adultério, traição, chantagem, inveja, desigualdade social, assassinato, suicídio são temas presentes em suas obras.

O primo Basílio, filme de Daniel Filho

Em O Primo Basílio, por exemplo, através da trama do adultério, o autor critica a hipocrisia da sociedade burguesa, que se esconde por trás das aparências e das convenções sociais.

Personagens de O primo Basílio

Luísa: é a protagonista da obra. Tem a aparência típica da heroína romântica: é bela e delicada. Mas é também tola e dada a fantasias. Essas fantasias vêm das leituras que faz. Luísa é leitora voraz de romances românticos. Ela é casada com Jorge. Um casamento confortável, mais por comodidade do que por amor.

“Ficara sentada à mesa a ler o Diário de Notícias, no seu roupão de manhã de fazenda preta,

bordado a sutache, com largos botões de madrepérola; o cabelo louro um pouco desmanchado,

com um tom seco do calor do travesseiro, enrolava-se, torcido no alto da cabeça pequenina,

de perfil bonito; a sua pele tinha a brancura tenra e láctea das louras; com o cotovelo

encostado à mesa acariciava a orelha, e, no movimento lento e suave dos seus dedos,

dois anéis de rubis miudinhos davam cintilações escarlates.”

Jorge: é o marido de Luísa. É engenheiro, tem boa posição social, mas não é rico. É um homem sério e que, por causa do trabalho, precisa viajar com constância.

“Jorge enrolou um cigarro, e muito repousado, muito fresco na sua camisa de chita,

sem colete, o jaquetão de flanela azul aberto, os olhos no teto, pôs-se a pensar

na sua jornada ao Alentejo. Era engenheiro de minas, no dia seguinte devia partir para Beja,

para Évora, mais para o sul até São Domingos; e aquela jornada, em Julho contrariava-o

como uma interrupção, afligia-o como uma injustiça. Que maçada por um verão daqueles!”

Basílio: é o primo de Luísa. Foi seu namoradinho quando eram mais jovens. Mora em Paris, mas tem negócios em Portugal. Basílio é sedutor, veste-se bem e se gaba de ser um homem viajado. É uma figura que parece ter saído dos livros que Luísa lê e isso a encanta.

“Luísa olhava-o. Achava-o mais varonil, mais trigueiro. No cabelo preto anelado

havia agora alguns fios brancos; mas o bigode pequeno tinha o antigo ar moço,

orgulhoso e intrépido; os olhos quando ria, a mesma doçura amolecida,

banhada num fluido. Reparou na ferradura de pérola da sua gravata de cetim preto,

nas pequeninas estrelas brancas bordadas nas suas meias de seda.

A Bahia não o vulgarizara. Voltava mais interessante!”

Esses três personagens formam o típico triângulo amoroso dos folhetins. Essa forma de escrita, o folhetim, criada pelos escritores românticos, tem no triângulo amoroso uma das bases de construção de seus enredos. No entanto, o triângulo amoroso em O primo Basílio não é baseado em um amor forte e desesperador como acontecia nos folhetins. Na verdade, o que caracteriza as relações entre essas personagens aqui é a comodidade e a obrigação por parte de Jorge; o desejo de aventura e emoções fortes que move Luísa; e o prazer da sedução e a diminuição do tédio buscados por Basílio.

Juliana: é a antagonista da obra. É a empregada da casa e rivaliza com Luísa, uma vez que é o seu oposto. Juliana é feia, bem mais velha do que a patroa e sofre do coração. Além disso, nutre um ódio intenso por todas as patroas, culpando-as por todos os seus males. Vê na relação entre Luísa e Basílio uma oportunidade para se vingar.

“Nunca se acostumara a servir. Desde rapariga sua ambição fora ter um negócio, uma tabacaria…,

governar, dispor, ser patroa. E depois não tinha jeito, não sabia tirar partido das casas.

Via as companheiras divertir-se, sair aos domingos, levar o dia cantando. Ela não.

Sempre fora embezerrada. Fazia sua obrigação, comia e ia estirar-se sobre a cama.”

Juliana e Luísa se enfrentam.

E Juliana chega quase a conseguir sua vingança. A troca de papéis entre as duas mulheres é um dos momentos altos do livro.

“Nessa semana, uma manhã, Jorge, que não se recordava que era dia de gala, encontrou a secretaria

fechada e voltou para casa ao meio-dia. (…) chegando despercebido ao quarto, surpreendeu

Juliana comodamente deitada na chaise-longue, lendo tranqüilamente o jornal (…)

Jorge não encontrou Luísa na sala de jantar; foi dar com ela no quarto dos engomados,

despenteada, em roupão de manhã, passando roupa, muito aplicada e muito desconsolada.
– Tu estás a engomar? – exclamou.
(…) A sua voz era tão áspera, que Luísa fez-se pálida, e murmurou:
– Que queres tu dizer?
– Quero dizer que te venho encontrar a ti a engomar, e que a encontrei a ela

lá embaixo muito repimpada na tua cadeira, a ler o jornal.”

Sebastião: é o melhor amigo de Jorge. Homem sério e justo, assume o papel de protetor de Luísa na ausência do amigo.

Leopoldina: amiga de Luísa. É casada, mas isso não a impede de ter vários amantes. Jorge considera Leopoldina uma péssima influência para a esposa, mas Luísa não consegue se afastar dela.

Dona Felicidade: uma solteirona gorda que vive com gases por usar roupas muito apertadas. É apaixonada pelo Conselheiro Acácio. Ambos são frequentadores assíduos da casa de Jorge e Luísa.

Conselheiro Acácio: também solteiro, o conselheiro tem paixão pelas palavras e se esmera em usar seu vocabulário erudito em todas as suas conversas. Não corresponde ao interesse de Dona Felicidade e, embora se vanglorie de sua solteirice, tem um caso às escondidas com a empregada de sua casa.

Há, ainda, Joana, a cozinheira da casa; Julião Zuzarte, parente distante de Jorge; e Ernestinho, também parente do dono da casa e escritor de teatro.

Juliana, interpretada por Marília Pera.

Todas essas personagens compõem um elenco que busca corresponder aos tipos sociais da época e, assim, ajudam o autor a compor a cena da vida portuguesa que propõe nesse romance: o adultério cometido por uma mulher da classe média burguesa e suas implicações.

Concluindo…

O Primo Basílio, de Eça de Queirós, busca retratar os costumes e as contradições da sociedade portuguesa do século XIX.

O romance expõe as fragilidades e os desejos reprimidos da classe burguesa, mostrando como a busca por uma felicidade proibida pode levar ao desastre.

Leitura indispensável para quem quer aprimorar suas habilidades de leitura e também se divertir com um livro repleto de ingredientes muito propícios a uma boa história: paixão, traição, inveja, segredos, reviravoltas e suspense.

— “É o primo!” — refletia ela. — “E só vem então quando o marido se vai. Boa!

E fica-se toda no ar quando ele sai; e é roupa branca e mais roupa branca,

e roupão novo, e tipoia para o passeio, e suspiros e olheiras! Boa bêbeda!

Tudo fica na família!”

Você também pode gostar de ler: O amor romântico e o adultério feminino em O primo Basílio, de Eça de Queirós.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *