Cruz e Sousa é o poeta mais importante do movimento simbolista no Brasil. Poeta de linguagem requintada e de uma sensibilidade que atravessa o tempo, enfrentou, sem rodeios, a ferida do racismo e as durezas materiais de sua época.
Infância, formação e primeiros passos
João da Cruz e Sousa nasceu em 24 de novembro de 1861, na antiga Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis, SC).
Foi educado pelo marechal Guilherme Xavier de Sousa e por Clarinda Fagundes Xavier de Sousa, antigos senhores de sua mãe; daí veio o “Sousa” e a formação esmerada: francês, latim e grego.
Ainda muito jovem, já rascunhava versos e se destacava nos estudos.
A vocação literária andou junto da consciência política. No início da década de 1880, Cruz e Sousa atuou em jornais — como Colombo e a Tribuna Popular — e abraçou a causa abolicionista.
Em 1884, chegou a ser nomeado promotor em Laguna, mas foi impedido de tomar posse por ser negro, episódio que marcaria sua biografia e sua obra.
Rio de Janeiro, trabalho e a virada de 1893
Em 1890, já no Rio de Janeiro, o poeta dividia o tempo entre colaborações em jornais e o emprego como arquivista na Estrada de Ferro Central do Brasil — trabalho estável, sim, mas que não abafou a chama da criação.
É desse período a sequência que consolidou seu nome: Missal (prosa lírica, fevereiro de 1893) e Broquéis (poesia, agosto de 1893), livros que colocam de vez o Simbolismo no mapa literário do país.

Como é a poesia de Cruz e Sousa?
A poesia de Cruz e Sousa é música e visão: sinestesias, aliterações, imagens de luz e sombra, espiritualidade, tensão entre corpo e espírito — tudo com rigor formal e ritmo hipnótico.
Entre as influências, o diálogo com Baudelaire aparece, mas Cruz e Sousa metaboliza isso a seu modo, criando um idioma próprio.
Um traço de sua obra que chama a atenção é a obsessão pela cor branca (no sentido de alvura, névoa, brilho), lida por críticos como Roger Bastide como uma chave simbólica recorrente.
Cruz e Sousa usa o repertório simbolista em sua poesia para inverter a lógica dominante, pôr em cena a violência do racismo e, ao mesmo tempo, buscar transcendência.
Daí os apelidos que o acompanharam — “Cisne Negro” e “Poeta Negro” —, hoje reposicionados pela crítica dentro de uma leitura atenta à sua agência estética e política.

Vida pessoal, perdas e resistência
Em novembro de 1893, Cruz e Sousa casou-se com Gavita Gonçalves. O casal enfrentou lutos sucessivos — quatro filhos morreram ainda pequenos, vítimas de tuberculose — e dificuldades financeiras.
A doença também atinge o poeta e, numa tentativa de recuperação, ele parte para Minas Gerais.
Morte e memória
Cruz e Sousa morreu em 19 de março de 1898, em Curral Novo (atual Antônio Carlos, MG), em decorrência da tuberculose.
Seus restos mortais, hoje, repousam no Palácio Cruz e Sousa, sede do Museu Histórico de Santa Catarina, em Florianópolis — uma volta simbólica “para casa” concretizada em 2007.
Obras essenciais de Cruz e Sousa
Tropos e fantasias (com Virgílio Várzea, 1885) — prosa; estreia em livro do autor.
Missal (1893) — prosa lírica.
Broquéis (1893) — poesia; par simbiótico de Missal na consolidação do Simbolismo no Brasil.
Evocações (1898, póstumo) — prosa.
Faróis (1900, póstumo) — poesia.
Últimos Sonetos (1905, póstumo) — poesia.

Se você quiser explorar por dentro o impacto de Missal e Broquéis, a Biblioteca Nacional Digital reuniu um ótimo panorama histórico e crítico sobre os 130 anos dessas estreias. Vale a visita.
Por que ler Cruz e Sousa hoje?
Cruz e Sousa expõe, com beleza e coragem, tensões que ainda nos atravessam: racismo estrutural, desigualdade, busca de sentido.
Sua escrita — musical, imagética, quase sinfônica — segue sendo uma aula de linguagem. Ler Cruz e Sousa é passar pelas “névoas” do Simbolismo e encontrar um Brasil que insiste em se dizer, com dor e luz.
Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.
