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O poder que tem a literatura em transformar a nossa forma de ver o mundo

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Desde que se inventou a escrita, há quem veja nos livros um refúgio, um espelho ou um remédio.

A literatura, como outras formas de arte, sempre foi uma forma de alívio e de expressão. Mas, mais do que isso, ela tem o dom de nos ensinar a ver — e a rever — o mundo ao nosso redor.

A leitura, quando verdadeira, não é apenas uma forma de distração, mas, sim, uma ressignificação da vida. Ela reorganiza o mundo por dentro, desloca os olhos, abre frestas em nossa maneira de sentir.

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Quando a literatura é resistência

Em tempos difíceis, a literatura se mostra um abrigo, uma saída para as angústias e temores. Muitos são os casos de pessoas que encontraram refúgio na leitura de bons livros.

Michèle Petit, em sua obra A arte de ler, mostra como grupos de leitura, em contextos de vulnerabilidade, encontraram nos livros uma forma de resistência silenciosa. Ela chamou isso de biblioterapia — a leitura como gesto de cuidado, força e reconstrução.

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Ler em meio à dor não é luxo. É sobrevivência. E é também uma forma de manter viva a ideia de que a palavra pode ainda sustentar o que o mundo tenta calar.

A leitura que gera mais leitura — e mais arte

A literatura, como se sabe, não para em si mesma. Ela inspira. Jorge Luis Borges, por exemplo, teve seu imaginário profundamente moldado pela leitura de O Golem, de Gustav Meyrink.

Para esse grande escritor, o mundo é um imenso alfabeto. Tudo o que está ao nosso redor está em constante comunicação e essa comunicação se estabelece através de um jogo de significação e de trocas significativas.

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É com esse olhar — que vê no mundo um texto em fluxo — que Borges escreve O Aleph, um conto onde o real e o infinito se entrelaçam.

E é dessa leitura que nasce também outra. Michel Foucault, ao prefaciar As palavras e as coisas, confessa que foi a leitura de Borges que o motivou a escrever o livro. E, assim, uma palavra chama outra. Um texto puxa um outro e novas obras vão sendo criadas.

Imaginação: lugar de criação e reinvenção

Estudos recentes comprovam o que todo leitor de verdade já sabia. Ler é um exercício de imaginação.

É diferente de ver um filme ou ouvir uma história contada. Ao ler, somos obrigados a criar mentalmente imagens, vozes, cenários.

O psicólogo Keith Oatley compara a leitura literária a um simulador de voo: ela nos permite viver experiências emocionais complexas sem sair do lugar. E, mesmo sem sair, a gente volta diferente.

A leitura, nesse sentido, não apenas amplia nosso vocabulário. Ela nos educa para a empatia. Nos ensina a olhar para o outro e, por instantes, ser outro.

O mundo que se multiplica

Marcel Proust talvez tenha sido um dos autores que melhor entendeu a força da literatura em nos fazer sair de nós mesmos. Ele escreveu:

“Graças à arte, em vez de contemplar um só mundo, o nosso, vemo-lo multiplicar-se.”

Ler é isso: enxergar além do imediato, desautomatizar o olhar, devolver ao cotidiano a sua estranheza e, com isso, a sua beleza.

Para Alain de Botton, que escreveu Como Proust pode mudar sua vida, a leitura não é apenas conhecimento: é delicadeza, é gesto, é caminho para a grandeza escondida nas pequenas coisas.

A literatura pode transformar o mundo?

Em 2006, o jornalista José Castello inaugurou, no projeto Paiol Literário, uma tradição que persiste até hoje: perguntar a escritores se acreditam que a literatura pode transformar o mundo.

Sérgio Sant’Anna, um dos convidados, respondeu que sim — porque a literatura oferece ao leitor um espaço de criação que nenhum outro meio proporciona. Ao contrário da televisão, por exemplo, que entrega tudo mastigado, o livro exige participação. Exige imaginação.

Já crítico Silviano Santiago respondeu à pergunta da seguinte forma:

“O leitor sensível, inteligente, sempre conseguirá ver as relações estreitas entre aquilo que está lendo e a possibilidade de transformação, seja da realidade imediata, a realidade do mundo, seja ainda e, sobretudo, de si próprio.”

Em tempos de excesso de informação e superficialidade emocional, a literatura se tornou, para muitos, uma espécie de farol. Um ponto de orientação no caos. Uma experiência de autoconhecimento.

Mas trata-se de uma autoajuda profunda, que não dá respostas prontas. A literatura não consola: inquieta. E é na inquietação que, muitas vezes, começamos a mudar.

Conclusão: por que ainda lemos?

Lemos para transformar o que nos cerca, mas também para não esquecermos de quem somos. E porque cada livro é um convite a ver o mundo com novos olhos — e, às vezes, a vê-lo pela primeira vez.

Lemos ainda, porque a literatura nos permite perceber realidades muito distantes de nós. E porque, ao multiplicar os mundos possíveis, ela nos ensina a ser mais humanos.

Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.

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