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O que a origem da palavra saudade revela sobre o nosso sentir

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A palavra é uma casa. Dentro dela moram sentidos, ecos, silêncios. E entre todas as palavras da língua portuguesa, talvez nenhuma nos defina tanto quanto “saudade”.

O que é uma palavra, afinal?

Antes de tudo, é preciso lembrar: palavras não são apenas nomes para coisas. Elas são mapas de mundo.

Carregam o peso da história, os rastros do tempo, os modos como um povo sente, pensa e se relaciona com o que é invisível. E poucas palavras revelam isso com tanta intensidade quanto “saudade”.

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Mais do que uma sensação, saudade é uma construção. Algo que só é possível sentir porque, antes, aprendemos a nomear.

Texto escrito em quadro: "miss you"

O sentimento que só existe porque tem nome

Todos nós, em algum momento, sentimos saudade. Mas o que sentimos exatamente? A resposta não é simples. Saudade não é só solidão. Também não é apenas dor. Tampouco é nostalgia pura. É tudo isso — e algo mais.

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É lembrança com afeto. É ausência que aperta, mas também acaricia. É a dor de não ter, suavizada pela ternura da memória. É uma palavra que não se explica — se sente.

E esse sentimento, para nós, falantes da língua portuguesa, ganhou nome. Um nome só nosso. Um nome que se moldou ao longo dos séculos, absorvendo camadas culturais, linguísticas e emocionais.

De onde vem a palavra saudade?

A etimologia revela muito sobre quem somos. No caso de “saudade”, o caminho começa no latim: solitas -atis e solitudo, que remetem à ideia de solidão.

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Durante a Idade Média, a palavra foi se transformando, ganhando formas como saydade, soidade, suidadi e soedade — até chegar, enfim, ao termo “saudade”, tal como conhecemos hoje.

O curioso é que essas formas antigas, antes de sumirem, coexistiram com outras influências. Do latim também veio suavitatem, que gerou suavitate — e com isso, a saudade ganhou também algo de doce, de leveza.

Mais tarde, estudiosos apontam até possíveis influências árabes, como a expressão alistiyáqu ‘ilal watani, que pode ser traduzida como “o desejo de retornar ao lar”. Um desejo que, se olharmos bem, está no coração da saudade.

Moça olhando pela janela, parece estar com saudade

Saudade: uma invenção portuguesa?

Dizemos com orgulho que saudade é uma palavra intraduzível. Mas a verdade é que há termos próximos em outras línguas — como soledad no espanhol ou soledat no catalão.

Ainda assim, o modo como os portugueses ampliaram esse significado é único. Eles deram à palavra um corpo maior: ela passou a designar não apenas o isolamento, mas o sentimento de falta misturado ao amor, à lembrança e ao desejo de retorno.

Nesse alargamento de sentidos, o termo português ganhou profundidade emocional. Deixou de ser apenas um eco da ausência para se tornar presença viva da memória.

Palavras moldam o que sentimos

Ao estudar a origem de palavras como “sentir”, percebemos como o vocabulário se entrelaça com a cultura.

No latim, “sentire” significava “espalhar um som”. Com o tempo, a ideia foi se moldando até significar também “perceber com os sentidos”.

Hoje, ao dizermos “eu sinto saudade”, estamos, na verdade, usando uma palavra carregada de séculos de história.

E é aí que mora a beleza: não sentimos só porque temos corpo. Sentimos porque temos palavras.

A linguagem não é apenas um instrumento. É um espelho do que somos — e também uma lente que afina ou amplia aquilo que conseguimos perceber no mundo.

Campo com flores amarelas sugerindo distância

O mistério que permanece

Apesar de todo esse percurso etimológico, a verdade é que o mistério da saudade permanece.

Talvez justamente por isso ela seja tão especial.

É sentimento que escapa por entre os dedos. Quanto mais tentamos definir, mais nos devolve silêncio. E talvez isso seja o que a torna tão literária, tão poética, tão nossa.

A palavra saudade é um monumento do idioma português. Um testemunho do quanto as palavras guardam dentro de si os labirintos da alma humana.

Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.

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