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Manuel Bandeira: biografia, características e obras

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Manuel Bandeira é um dos meus poetas prediletos. Com uma obra vasta e muito lírica, esse poeta nos conquista por sua delicadeza, a simplicidade com que aborda temas como a infância, o amor e a morte, e também por sua ironia fina e um certo humor melancólico.

Biografia de Manuel Bandeira

Manuel Bandeira nasceu em Recife no dia 19 de abril de 1886. Foi poeta, tradutor, professor de Literatura e crítico de arte. Era filho do engenheiro Manuel Carneiro de Sousa Bandeira e de Francelina Ribeiro de Sousa Bandeira.

Sua família tinha grande tradição no Recife e uma participação expressiva na vida social e política da região. Em seus poemas, é comum encontrarmos referências à cidade e aos familiares, como acontece no famoso “Evocação do Recife”.

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Ainda adolescente, Bandeira mudou-se com a família para o Rio de Janeiro. Ali, estudou no Colégio Pedro II. Em 1903, foi para São Paulo onde ingressou no curso de Arquitetura da Escola Politécnica de São Paulo.

No entanto, não pôde continuar, pois descobriu que tinha turbeculose, doença muito contagiosa e grave que acometeu um grande número de pessoas em finais do século XIX e início do XX.

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Para se tratar, o jovem Manuel precisou internar-se em uma clínica na Suíça. Seu pai reuniu todo o dinheiro da família para mandá-lo para a Europa. Passou pouco mais de um ano no Sanatório de Clavadel em que foi companheiro de outro poeta famoso, o francês Paul Éluard.

Retornou ao Brasil com um diagnóstico incerto. Os médicos suíços lhe deram um prognóstico pouco promissor e Bandeira passou a conviver, desde então, com a presença da morte. Esta tornou-se sua companheira e tema de muitos poemas, como o famoso “A Indesejada das Gentes”.

Fotografia de Manuel Bandeira

Em 1917, Manuel Bandeira publicou seu primeiro livro de poemas, Cinza das horas, de forte influência simbolista. Nessa obra, o lirismo e a melancolia, traços constantes de sua obra, já aparecem e dominam os poemas.

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Seu segundo livro, Carnaval, de 1919, traz, no entanto, uma nova proposta. Os poemas desse livro subvertem o verso tradicional e demonstram fortes traços modernistas. Um deles, “Os sapos”, inclusive, será lido no saguão do Teatro Municipal de São Paulo, durante a Semana de 22.

Em 1935, Bandeira tornou-se inspetor federal de ensino. E, de 1938 a 1943, foi professor de Literatura no Colégio Pedro II. Poucos anos depois, ocupou a cadeira de Literatura Hispano-Americanas na Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, aposentando-se em 1956.

No decorrer desses anos, publicou obras em verso e em prosa. Algumas delas são:

  • O ritmo dissoluto (1924)
  • Libertinagem (1930)
  • Estrela da Manhã (1936)
  • Lira do cinquenta anos (1940)
  • Belo belo (1948)
  • Mafuá do malungo (1948)
  • Opus 10 (1952)
  • Estrela da tarde (1960)
  • Estrela da vida inteira (1968)

Manuel Bandeira faleceu no Rio de Janeiro, no dia 13 de outubro de 1968, aos 82 anos, de hemorragia gástrica.

Características da poesia de Manuel Bandeira

  • Forte lirismo: a poesia de Bandeira é marcada pela subjetividade e pelo tom confessional. O poeta fala de si, de seus sentimentos, desejos e dores com honestidade e delicadeza.
  • A morte como companheira: a Indesejada das gentes é um tema recorrente. O fato de ter sido acometido pela tuberculose ainda muito jovem tornou a doença e a morte assuntos constantes de seus versos.
  • A infância: esse é outro tema bastante presente nos poemas de Manuel Bandeira. Essa é a época em que o poeta era saudável e podia conviver com pessoas queridas.
  • Poesia do cotidiano: Bandeira é um observador e vê beleza nas coisas simples e comuns.
  • Desejo de evasão: os versos de Bandeira falam da saudade da infância e da vontade de fugir para um lugar idílico.
  • Linguagem coloquial e direta.
  • Ironia e humor fino.
  • Uso do verso metrificado e do verso livre.

Principais poemas de Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
 
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
 
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
 
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
 
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Auto-retrato

Auto-retrato

Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.

Pneumotórax

Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
 
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.
 
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Os sapos

Os sapos

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
 
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
– “Meu pai foi à guerra!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.
 
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – “Meu cancioneiro
É bem martelado.
 
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
 
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Desencanto

Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento… de desencanto…
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
 
Remover anúncios
Meu verso é sangue. Volúpia ardente…
Tristeza esparsa… remorso vão…
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
 
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

A estrela

A estrela

Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.
 
Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.
 
Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alto luzia?
 
E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.

Porquinho-da-índia

Porquinho-da-índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…
Fotografia de Manuel Bandeira

O bicho

O bicho

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.

Consoada

Consoada

Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
— Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

Arte de amar

Arte de amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.
 
As almas são incomunicáveis.
 
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
 
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

O último poema

O último poema

Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Conclusão

Manuel Bandeira é um dos mais importantes poetas da literatura brasileira. Sua poesia é carregada de lirismo e ironia e nos faz olhar para as pequenas coisas e valorizar os pequenos momentos.

Produziu uma obra longa e foi um dos principais representantes da 1ª Geração do Modernismo. Autor de poemas memoráveis como Pasárgada e Pneumotórax, Bandeira nos encanta com a beleza e a delicadeza de seus versos.

Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.

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