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18 de julho – Dia Nacional do Trovador: a voz lírica que atravessa séculos

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No dia 18 de julho, celebramos o Dia Nacional do Trovador, uma data que resgata a memória de uma das figuras mais encantadoras da tradição poética e musical: o trovador.

Mais do que um personagem medieval, o trovador é símbolo da fusão entre palavra e melodia, entre sentimento e performance.

E, embora o tempo tenha passado, sua presença ainda pulsa nas rimas de cordelistas, nos versos dos repentistas, nas batalhas de rap e nas composições da música popular brasileira.

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Neste artigo, vamos compreender a origem da data, conhecer a história do Trovadorismo, explorar sua influência no Romantismo e identificar sua permanência viva na cultura brasileira contemporânea.

Por que se comemora o Dia do Trovador em 18 de julho?

O Dia do Trovador foi instituído no Brasil para homenagear a arte da trova e seus praticantes.

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A data foi escolhida em referência à fundação da União Brasileira de Trovadores (UBT), em 18 de julho de 1966, na cidade de São Paulo. A UBT foi criada com o objetivo de valorizar a trova como forma poética e incentivar sua prática por todo o país.

Desde então, a data é celebrada por escritores, músicos, poetas populares e grupos culturais que reconhecem na trova um elo entre o passado e o presente, entre o erudito e o popular, entre a tradição oral e a literatura escrita.

Trovadorismo – Onde tudo começou

O Trovadorismo surgiu na Península Ibérica no século XII, com forte influência das tradições poéticas da Provença, no sul da França.

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Foi o primeiro movimento literário documentado da língua portuguesa, tendo como marco inicial a obra do trovador Dom Afonso X, o Sábio, e se desenvolvendo principalmente nas cortes da nobreza medieval.

Imagem que retrata a figura do trovador e sua adoração por sua dama

Os trovadores eram poetas e músicos que compunham as cantigas medievais, classificadas em quatro grandes gêneros:

  • Cantigas de amor: com um eu lírico masculino, em tom de sofrimento, que idealiza a dama;
  • Cantigas de amigo: em que uma voz feminina lamenta a ausência do amado, com forte musicalidade e origem popular;
  • Cantigas de escárnio: que satirizam personagens da época de forma indireta e irônica;
  • Cantigas de maldizer: com críticas diretas, linguagem agressiva e até obscena.

Essas cantigas tinham não apenas valor poético, mas também documental, revelando aspectos sociais, culturais e linguísticos do período.

Os cancioneiros medievais, como o Cancioneiro da Ajuda, o Cancioneiro da Vaticana e o Cancioneiro da Biblioteca Nacional, preservam centenas dessas composições.

O trovadorismo e o Romantismo: uma inspiração duradoura

No século XIX, os ideais do Trovadorismo ressurgem com força em um outro estilo artístico e literário, o Romantismo.

No Brasil, escritores como Gonçalves Dias, Castro Alves e José de Alencar, recuperaram o lirismo apaixonado, a idealização amorosa e a musicalidade dos trovadores.

Leia também:

Um artigo sobre a poesia lírica, também herança dos trovadores, e veja como ela está muito presente hoje no cotidiano de todos nós.

Na poesia, vemos o retorno da subjetividade, da exaltação da natureza e do amor platônico — temas muito presentes nas cantigas medievais.

Como eu te amo

Como se ama o silêncio, a luz, o aroma,
O orvalho numa flor, nos céus a estrela,
No largo mar a sombra de uma vela,
Que lá na extrema do horizonte assoma;

Como se ama o clarão da branca lua,
Da noite na mudez os sons da flauta,
As canções saudosíssimas do nauta,
Quando em mole vaivém a nau flutua,

Como se ama das aves o gemido,
Da noite as sombras e do dia as cores,
Um céu com luzes, um jardim com flores,
Um canto quase em lágrimas sumido;

Como se ama o crepúsculo da aurora,
A mansa viração que o bosque ondeia,
O sussurro da fonte que serpeia,
Uma imagem risonha e sedutora;

Como se ama o calor e a luz querida,
A harmonia, o frescor, os sons, os céus,
Silêncio, e cores, e perfume, e vida,
Os pais e a pátria e a virtude e a Deus:

Assim eu te amo, assim; mais do que podem
Dizer-to os lábios meus, – mais do que vale
Cantar a voz do trovador cansada:
O que é belo, o que é justo, santo e grande
Amo em ti. – Por tudo quanto sofro,
Por quanto já sofri, por quanto ainda
Me resta de sofrer, por tudo eu te amo.
O que espero, cobiço, almejo, ou temo
De ti, só de ti pende: oh! nunca saibas
Com quanto amor eu te amo, e de que fonte
Tão terna, quanto amarga o vou nutrindo!
Esta oculta paixão, que mal suspeitas,
Que não vês, não supões, nem te eu revelo,
Só pode no silêncio achar consolo,
Na dor aumento, intérprete nas lágrimas.

(…)

(Gonçalves Dias)

Já nos romances românticos, é comum a figura do herói sonhador e do amor impossível, como nas obras Iracema e Senhora.

Iracema

“Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta.
Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara”.

(José de Alencar, Iracema.)

Mais do que um resgate temático, o Romantismo incorporou o espírito trovadoresco de dar voz aos sentimentos mais íntimos, muitas vezes em forma de versos cantados ou declamados. O Trovadorismo, portanto, continuou vivo nas obras românticas.

As trovas populares no Nordeste: o repente e a literatura de cordel

No Brasil, a força da tradição oral permitiu que o espírito trovadoresco sobrevivesse, especialmente no Nordeste, através de formas próprias: o repente e a literatura de cordel.

O repente é um duelo poético cantado entre dois improvisadores, chamados de repentistas ou violeiros, que constroem suas rimas ao vivo, diante do público.

Veja nesse vídeo uma verdadeira aula sobre o repente e exemplos dessa arte.

A musicalidade, a métrica rigorosa e o improviso fazem do repente uma verdadeira arte performática, com raízes diretas no Trovadorismo.

Já a literatura de cordel reúne poemas narrativos impressos em folhetos pendurados em cordas (daí o nome).

Texto com exemplo de poesia de cordel.

Seus temas vão do cotidiano à fantasia, com linguagem simples, humor afiado e crítica social.

Nomes como Leandro Gomes de Barros e Patativa do Assaré são referências desse gênero popular que ainda hoje encanta leitores e ouvintes em feiras e praças do interior.

Rap e slam: a herança trovadoresca nas batalhas de palavras

Nas periferias urbanas, o trovador também resiste, embora com outro nome. No rap, nas batalhas de freestyle e nos slams poéticos, a tradição de rimar com ritmo, improviso e crítica social se mantém firme.

Nego Drama, do grupo Racionais MC’s

O rap (ritmo e poesia) é a manifestação contemporânea da oralidade poética. Os MCs — mestres de cerimônia — são os novos trovadores, que usam palavras como instrumento de denúncia, protesto, orgulho e identidade. Veja outro exemplo:

Até quando?

Acordo, não tenho trabalho, procuro trabalho, quero trabalhar
O cara me pede o diploma, não tenho diploma, não pude estudar
E querem que eu seja educado
Que eu ande arrumado, que eu saiba falar
Aquilo que o mundo me pede não é o que o mundo me dá
Consigo um emprego, começa o emprego, me mato de tanto ralar
Acordo bem cedo, não tenho sossego, nem tempo pra raciocinar
Não peço arrego, mas onde que eu chego?
Só fico no mesmo lugar
Brinquedo que o filho me pede, não tenho dinheiro pra dar

(Gabriel, O Pensador)

Já os slams (competições de poesia falada) valorizam o texto autoral, a performance e o impacto social da palavra.

Texto que é exemplo de slam, forma de poesia de rua atual que lembra o trabalho do trovador medieval

Poetas como Sérgio Vaz, Mel Duarte, Ferrez e Rincon Sapiência mostram que o espírito trovadoresco segue vivo nas quebradas, reinventando a poesia para os dias de hoje.

A música popular brasileira: o trovador contemporâneo

A figura do trovador também vive na música popular brasileira. Todo compositor que canta seus sentimentos, suas visões de mundo e sua realidade é, de alguma forma, um herdeiro dos trovadores medievais.

Artistas como Chico Buarque, Elomar, Zé Ramalho, Belchior, Lenine e Djavan são exemplos claros dessa linhagem. Suas canções trazem lirismo, crítica social, elementos narrativos e uma profunda ligação com a tradição oral.

Faltando um pedaço, de Djavan

O próprio Belchior se definia como um “rapaz latino-americano sem dinheiro no banco”, cantando suas inquietações com a alma de um trovador moderno. E Elomar, com sua obra marcada por arquétipos medievais, é talvez o exemplo mais direto do trovadorismo na MPB.

Elomar Figueira Mello, compositor e violonista
O compositor e violonista Elomar Figueira Mello

Até mesmo na música pop contemporânea vemos essa continuidade. Canções de artistas como Ana Carolina, Zeca Baleiro ou Cecília Meireles musicada por Fagner revelam que a poesia cantada ainda emociona e provoca reflexão.

Motivo

Eu canto, porque o instante existe
E a minha vida está completa
Não sou alegre nem sou triste, sou poeta
Não sou alegre nem sou triste, sou poeta
 
Irmão das coisas fugidias
Não sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias no vento
Se desmorono ou se edifico
Se permaneço ou me desfaço
Não sei se fico ou passo
 
Eu sei que canto e a canção é tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia eu sei que estarei mudo, mais nada
Amanhã estarei mudo, mais nada
 
Eu canto
Eu canto, porque o instante existe
E a minha vida está completa
Não sou alegre nem sou triste, sou poeta
Não sou alegre nem sou triste, sou poeta
 
Irmão das coisas fugidias
Não sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias no vento
Se desmorono ou se edifico
Se permaneço ou me desfaço
Não sei se fico ou passo
 
Eu sei que canto e a canção é tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia eu sei que estarei mudo, mais nada
Amanhã estarei mudo, mais nada.

(Cecília Meireles – Poema cantado por Fagner em música de mesmo título)

Conclusão: o trovador nunca saiu de cena

Celebrar o Dia do Trovador, em 18 de julho, é reconhecer a permanência de uma arte que atravessou séculos, reinventando-se nas ruas, nos palcos, nas feiras, nas rádios e nos meios audiovisuais.

O trovador não é apenas uma figura do passado medieval. Ele vive no cordel nordestino, nas batalhas de MCs, nos palcos da MPB, nos versos dos slams e nas melodias que traduzem sentimentos universais.

É o poeta que canta, o cantor que escreve, o artista que toca a alma com palavras.

Em tempos de consumo rápido e discursos rasos, os trovadores continuam nos lembrando que a palavra tem força, ritmo e beleza.

Que a arte pode ser feita com verdade, e que toda vez que alguém pega um violão, um microfone ou uma caneta para transformar a vida em verso… o trovador renasce.

Samira Mór é formada em Letras pela UFJF e Mestra em Literatura pela mesma instituição. É também professora das redes pública e privada há mais de trinta anos. Apaixonada por palavras e livros desde sempre, seu objetivo é partilhar com as pessoas o amor pela leitura e pelos livros.

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